PROFESSOR OU EDUCADOR?
Durante esta última semana, pós-manifestações anti-Dilma, ouvi muitas conversas vazias e procurei me esquivar de quase todas, nem sempre com êxito. Li bobagens abissais e me decepcionei com comentários irracionais de gente cujo senso crítico me parecia razoável. E de toda a paspalhice endêmica e sistêmica (pegando carona no léxico da operação Lava a jato) o que vomitaram a respeito de educação, educadores e professores pareceu-me razão suficiente para uma manifestação textual, mais tacanha, porém honesta.
Do ponto de vista estritamente lexical, é difícil decidir se educador é “gênero” do qual professor é espécie, ou vice-versa. Acho, mesmo, que os debates empreendidos por pensadores de verdade é saudável, ainda que não seja conclusivo. O que não posso aceitar é verborreia incontinente de oportunistas midiáticos como Alexandre Garcia e Rodrigo Constantino, nem como pessoas pretensamente inteligentes engolem a pílula amarga dos argumentos ruins dos dois.
Meu “choque” é causado, em grande parte, por não compreender como conceitos simples podem ser manipulados de forma tão grosseira e isso ser aceito exatamente por quem “consome” tais conceitos. Imagino que deva me explicar melhor, então vamos lá.
Quando pensamos no papel do profissional que conduz o aluno em direção ao saber, é essencial desconstruir a ideia do professor-oráculo e resgatar a imagem de Platão instigando seus discípulos com perguntas (maiêutica) ou a de Aristóteles, caminhando e ensinando ao mesmo que mostrava os mistérios do mundo a seu pupilo mais conhecido, Alexandre Magno (método peripatético). Essas referências servem para demolir aquele anti-modelo brega do professor que não dá aula, pois aula é algo chato; dá show. É o sujeito patético e teatral que “faz o diabo” por pontos no “Ibope” da escola e não tem verdadeiro compromisso com a educação. Conheci, ao longo da carreira, muitos deles; quase todos são poços de simpatia e carisma, mas nutrem profundo desprezo pelo aluno e pelo que lecionam – negócios, negócios; ética, à parte.
Se alguém ousa chamar essa caricatura triste de professor, eu prefiro ficar com o rótulo de educador. Posso estar ficando velho e rabugento, mas tenho cada vez menos paciência para engolir conversas sonsas sobre questões socioeconômicas da profissão e acho o fim o rosário de reclamações sobre o perfil dos alunos de hoje e outras ene babaquices que “repassadores de informação” compartilham, mesmo quando não solicitados, em ambientes coletivos.
Esse ou essa profissional que se atribui o título de professor é, muitas vezes, um indivíduo em transição, à espera de algo melhor; ou o oportunista que percebeu que subir no tablado, com um pouco de talento artístico e certa falta de noção do ridículo, pode até ser bem rentável. Mas tal categoria, como já disse antes, pertence ao grupo de mercadores de saberes (saberes muitas vezes bem questionáveis, diga-se de passagem). Refiro-me, no título deste texto, àqueles que se envolveram no processo de ensino e formação cidadã por vocação e/ou comprometimento com o alto valor social que a profissão tem – grupo que, felizmente, engloba a maior parte de meus colegas (os que não pertenciam ao grupo fui elegante e educadamente podando, apesar de ainda conviver com esparsos desencontrados).
Comecei com uma indagação e a ela retorno: qual nosso verdadeiro papel na formação de nossos alunos? Coloco essa provocação, pois muitos acreditam que não cabe ao professor aquilo que a família e outras instituições formadoras de caráter deveriam ter feito antes de a criança alcançar a idade escolar. Eu, particularmente, vejo sob outro ângulo e creio que é atributo do professor ser, ainda que de maneira diferente daquela dos pais, exemplar e inspirador – e para os divergentes dessa posição, aconselho a leitura da introdução dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que afirmam categoricamente essa “convocação”da escola a assumir papéis até então não demarcados.
O que entendo como exemplar e inspirador pouco ou nada tem a ver com quem o professor é na vida pessoal. O posicionamento patético de certos pretensos educadores que instituem códigos de conduta para o que professores podem ou não fazer é, além de ilícito (assédio moral), ilógico. O bom senso é que determina aquilo que qualquer profissional (salvo pouquíssimas exceções) deve expor e aquilo que deve resguardar, de tal modo que uma foto com amigos bebendo cerveja não é em nada condenável, afinal pessoas saudáveis se divertem e compartilham a alegria com outras pessoas; via contrária, de nada vale a austeridade e cuidado com a imagem se o professor é mal formado e comete equívocos conceituais sérios, ou, no que eu acho bem pior, não tem preparação emocional para lidar com a profissão e ser o que os alunos esperar e precisam dele.
Essas demandas, aliás, estão muito além do ir para a sala de aula, passar seu conteúdo, entregar provas corrigidas em dia e manter registro do trabalho. Isso é tecnicamente importante, mas não dispensa os aspectos humanos da atividade, que incluem a relação de confiança (distinta da de amizade) que deve se estabelecer, de modo que o aluno tenha no professor um aliado em seu progresso, não um inimigo de seu estilo de vida. Vejam que não estou propondo a ética da camaradagem em detrimento da austeridade ou do caráter mais sério. Proponho que o professor se veja como alguém que constrói pontes para além das competências e habilidades de sua disciplina, tornando-se, em algum ou mais de um aspecto, uma referência positiva para seus alunos.
É claro que por esse trabalho não há pagamento e muitos veem apenas o fato de que, no setor privado, ganha mais o cara engraçado e sem conteúdo do que o comprometido e apaixonado pela profissão. Por isso, talvez, alguns leitores achem minha tese ingênua demais e prefiram alardear o “não ganho para isso”. Tudo bem, respeito opiniões diferentes, mas não posso deixar de lembrar que cada um de nós fez sua escolha profissional por algum motivo.
Eu optei por ser professor, mesmo sendo advogado (inclusive inscrito na OAB/SP), por uma convicção sólida de que esta é minha missão na vida, bem como pela influência de minha avó, uma mulher que me inspirou em tudo e que endeuso como referência. Quando eu era criança e passeava com ela pelas ruas de São Carlos, ficava observando quando algum ex-aluno a reencontrava e agradecia pela diferença que ela havia feita na vida deles. Foi esse o trabalho que escolhi para a vida, mesmo sabendo que é uma carreira de cominhos tortuosos, pouco reconhecida, insuficientemente remunerada. Não obstante, dediquei-me a ela desde o primeiro ano de faculdade (na verdade, eu já era monitor de literatura em redação quando ainda estava no terceiro ano do Ensino Médio), ganhei meu espaço e não consigo compartilhar o sentimento de insatisfação de alguns colegas.
A caminhada é dura e há anos de mais bonança, como há anos de crise. Como em qualquer carreira (imagino), mais vale a perseverança e a racionalidade de buscar alternativas do que a ladainha de resmungos e rabugices. Hoje, para manter o estilo de vida que gosto de levar, leciono em seis cidades diferentes, dou 74 aulas por semana, viajo cerca de mil quilômetros semanalmente, escrevo materiais didáticos, reviso e traduzo textos, além dos “efeitos colaterais”, como corrigir provas e redações, resolver questões burocráticas e outras atividades. É cansativo, não nego, mas é o que precisa ser feito e faço com paixão. Paixão porque sei, a despeito dos percalços, dos fabulosos resultados que posso obter e que um dia, eu também reencontrarei quem se lembre de mim como alguém que fez diferença.
MAIS DO MESMO PARA LIDAR COM O ALUNO QUE TAMBÉM É MAIS DO MESMO
As grandes metas de um indivíduo devem ser baseadas em premissas que orientem o seu esforço para alcançá-las. Parece óbvio, mas infelizmente nem todos os jovens (e alguns nem tão jovens assim) que se preparam para exames importantes entenderam isso. Tal lacuna produz efeitos bem simples, porém devastadores: esse pretenso candidato a uma vaga no ensino superior comporta-se apenas como um receptor passivo (não crítico, não questionador) de saberes que, em sua cabeça, acumulam-se aleatoriamente. E, com essa “bagagem”, ele ou ela ainda não é o que a universidade espera, razão pela qual acaba voltando para mais um ano de cursinho (ainda que nem todos os não aprovados sejam compatíveis com esse perfil, ok?).
O cursinho é, sem rodeios, o limbo. Ali o aluno está no não-lugar, na posição de um indivíduo empacado entre o Ensino Médio e o Superior, mas que não quer abraçar carreiras como a técnica, por exemplo. Em suma, é uma droga. Mas eu não quero minar a autoestima de meu leitor que esteja nessa situação; quero, antes, motivá-lo. Motivação sem mistificação, pois não adianta fazer crer que se você não passou foi só porque deu o azar de seus concorrentes serem melhores. É melhor aceitar o mais rápido possível que houve algo que você deixou de fazer ou fez errado ou fez mal.
Aceita a premissa de que o não aprovado cometeu um equívoco, o próximo passo é entender o que deu errado. Essa é uma etapa de autoanálise, mas vale muito ouvir o que seus ex-professores têm a lhe dizer. Eles, como observadores privilegiados, poderão oferecer uma visão que, talvez, você mesmo não seja capaz de ter de si. Baseado em minha experiência, posso lhe adiantar um fato importante: a esmagadora maioria de meus ex-alunos que não lograram sucesso devem isso, em primeiríssimo lugar, à DEFICIÊNCIA NA LEITURA. Note bem que eu não escrevi “de leitura”, pois isso indicaria apenas o “ler pouco”. O que eu quero apontar é o “ler pouco” somado ao “ler e aproveitar pouco do que leu”.
Ok, você se identificou com esse perfil, e agora? “Partiu” PRONATEC? Não, pelo menos não ainda. Eu creio com veemência que nunca é tarde para que um aluno motivado e determinado mude seu destino. Para tanto, porém, é preciso desenvolver o hábito da leitura. Notem: hábito. Isso indica que não adianta ler como uma tarefa mecânica. A única mudança que pode surtir efeito é um redirecionamento do modo como esse sujeito-aluno se relaciona com o objeto-texto e faz dele – abusando aqui da metáfora bíblica – sua rocha. Ou seja, não há salvação fora da leitura.
E essa constatação não é nada nova. Eu, aliás, sinto-me uma maritaca com Alzheimer a repetir tantas vezes isso, mas o que fazer se, como professor, meu trabalho depende da adesão do aluno? Repito e repito e repito. Confesso que não salvo todas as almas, apenas uma parte. O que é ótimo, pois os anos vêm me ensinando a ser prático: se todos resolvessem se “emendar” e virassem, de súbito, alunos exemplares, não haveria lugar para tanta gente boa; faltariam aqueles cujo despreparo serve de consolo ou justificativa para os próprios estigmas sociais.
Então, suponho que eu e você, leitor ou leitora que alcançou este parágrafo após uma leve enrolação proposital, estamos nos entendendo. Eu lancei o anzol e você o mordeu, ou melhor, leu. Ora, passados esses minutos (que espero aprazáveis) minha metalinguagem plantou aí uma semente que pode, ou não, frutificar. Você pode desligar esse celular, tablet ou computador, pegar aquele livro perpetuamente protelado e dar-lhe a chance de começar a mudar sua vida. Ou então, continuar aqui e assistir ao vídeo viral ou rir dos memes contra o PT, ou vendo o treino de abdômen que dura apenas cinco minutos e faz com que se percam cinco quilos de gordura só na barriga. A escolha é sua. Eu estou com sono, mas há um livro aqui do lado que está pedindo mais meia horinha de atenção.
AS DIFICULDADES DA REDAÇÃO ENTRE O SIMPLES E O SIMPLIFICADO
Einstein, certa vez, mencionou que tudo deveria ser simples, porém não simplificado. Parto dessa reflexão para pensar o ato da escrita agora, no início do ano letivo, porque me parece importante começar com alicerces sólidos quando nossa empreitada é construir algo também sólido. No meu caso, preparo alunos em diferentes níveis de escolaridade para enfrentarem, antes de tudo, os desafios da vida em sociedade e, para tanto, preciso faze-los entender que saber traduzir pensamentos em linguagem é o embrião da escrita e a chave para a autocompreensão.
Ser simples é a essência do escrever por inúmeros motivos, mas basta apontar o mais importante: clareza. E para ser bem claro com você, leitor, esta característica do bom texto depende, em última análise, de saber o que dizer sobre o tema. Chame isso de bagagem cultural, repertório sociocultural produtivo (como prefere o ENEM), cultura geral, o importante é possuir ideias e informações. Pronto. Só isso? É, só isso SE você está acostumado com a escrita, se está habituado a conviver com as palavras.
Então está tudo bem, porque sua geração escreve muito, não? Quanto tempo você fica digitando no iPhone, no iPad, no iTudo? Já calculou quantas linhas você escreve entre o Whatsapp, o Facebook, o Twitter e o Instagram? Muitas. Eu calculo, pela minha média pessoal (e olhe que nem sou um usuário tão assíduo), cerca de duas a três páginas por dia (!). E presumindo que você se faz entender entre seus milhares de amigos e seguidores, é corretíssimo afirmar que você escreve bem. Escreve mesmo.
Ora, se tudo isso é verdade, por que fazer um curso de redação? Será que aqueles 45, 50 minutos semanais não são suficientes? Será que um curso avançado não é só para aqueles alunos “de elite”, que já fazem ótimas redações e querem fazer redações melhores ainda? Será que um aluno que está começando a escrever com frequência consegue acompanhar um curso desses? Vamos pensar sobre isso.
O primeiro ponto a discutir é o porquê de preparar-se especificamente para redação. Apesar de saber escrever, você talvez não esteja habituado a escrever do modo como as propostas dos vestibulares esperam, com progressão de ideias, vocabulário diversificado, domínio da norma culta, boa articulação entre sua opinião e o embasamento dela. Colocada desse modo, a tarefa da escrita no vestibular parece um bicho de sete cabeças, mas acredite, não é. O grande “porém” é o modo SIMPLIFICADO como alguns cursinhos tratam a redação.
No intuito de mastigar tudo e reduzir toda a história do conhecimento humano a um sujeito fantasiado fazendo micagens no tablado, ou um profissional frustrado em sua área que se mete a ensinar outra coisa só porque tem o dom de fazer psicodrama coletivo, as “máquinas de aprovações” reduzem a redação ao posto de sub-treco do vice-troço, como diria o grande mestre Mário Sérgio Cortella. Redação, assim, é algo tratado com menor importância, encolhido a uma aula curta, apenas pincelando temas, sem um mínimo de teoria do texto, conceituação de gêneros entre outros conteúdos que são, efetivamente, cobrados nos vestibulares.
E como se não bastasse a negligência com a aula em si, muitas coordenações parecem esquecer-se de que redação sem correção não faz sentido. Como tal crítica, porém, é velha, alguns cursinhos fizeram a gambiarra de contratar alunos de graduação em Letras (em alguns casos de cursos EAD), muitas vezes sem a devida experiência ainda, presumindo que o sujeito, só porque está no curso já sabe corrigir uma redação. Não vou me deter muito nisso, mas só para você, leitor, entender, uma boa correção mobiliza praticamente todas os saberes que são adquiridos ao longo da formação do professor, de modo que não, não é qualquer um que pode corrigir BEM sua redação. A correção ideal é feita no “cara a cara” (no “tête-a-tête, como dizem os franceses), lendo junto, fazendo você perceber o que deu certo e o que deu errado, discutindo o que pode ser aprofundado, o que ficou demais, o que soa mal na linguagem, enfim, o que o cursinho não pode oferecer (e quando tenta oferecer, mais atrapalha que ajuda).
Meu segundo ponto é a quem se destina, entre os vestibulandos, este tipo de curso. Você talvez já tenha ouvido dizer de tudo, desde que é algo só para quem não consegue aprender com o “basicão” que expus acima, até que é sofisticado demais e se destina apenas a alunos muito bons. Bem, nenhuma das explicações está correta: um curso de redação se destina a todo mundo, inclusive (e eu diria principalmente, se pudesse desenvolver melhor essa ideia – talvez em outro texto) a não vestibulandos.
Um curso de redação é o mais democrático dos cursos, pois, a partir de primeiro dia de aula, todos saem rigorosamente na mesma posição. Você pode estar se perguntando: ora, se um sujeito já fez cursinho dois, três anos, ele ou ela não começam em vantagem? Não. E sabe por quê? Simples: redação é prática, é um exercício de constante retomada (consciente) da tarefa de escrever. Você olha para o lado e vê aquele dinossauro que está prestando medicina há cinco anos, ok? É bem provável que ele ainda esteja no jurássico, entre o Ensino Médio e a universidade, exatamente porque tem a ilusão de que o problema dele são exatas, por exemplo, e não liga para redação.
Essa “filosofia”, aliás, é o que alimenta o mito de que não se estuda redação. E quando se estuda, é algo difícil, que exige demais. Com isso, outro mito se fundamenta: fazer curso de redação é “puxado”. Eu me pergunto: assistir a uma aula um pouco mais longa que os meros 50 minutos, fazer uma redação por semana, gastar meia hora corrigindo com um plantonista experiente (que já corrigiu ENEM e outros vestibulares) e assistir a outras aulas que lhes são disponibilizadas é “puxado”?
Definitivamente, fazer um bom curso de redação é simples, simples até demais. Porém, muitas vezes o que óbvio e simples é tão simples e óbvio que o observador descuidado não percebe (se você tiver tempo, procure um conto de Edgar Allan Poe, “A carta roubada”, leia e deixe seu comentário aqui). Meu conselho como professor é: saiba diferenciar o SIMPLIFICADO do SIMPLES. A redação boa, que vai lhe aprovar no que quiser, é simples; os macetes que querem fazer você engolir como aula de redação são algo simplificado, portanto ruim. Abra o olho agora e seja “bixo” ano que vem; ou, ano que vem, leia um texto bem parecido com este.