AS DIFICULDADES DA REDAÇÃO ENTRE O SIMPLES E O SIMPLIFICADO

Einstein, certa vez, mencionou que tudo deveria ser simples, porém não simplificado. Parto dessa reflexão para pensar o ato da escrita agora, no início do ano letivo, porque me parece importante começar com alicerces sólidos quando nossa empreitada é construir algo também sólido. No meu caso, preparo alunos em diferentes níveis de escolaridade para enfrentarem, antes de tudo, os desafios da vida em sociedade e, para tanto, preciso faze-los entender que saber traduzir pensamentos em linguagem é o embrião da escrita e a chave para a autocompreensão.

Ser simples é a essência do escrever por inúmeros motivos, mas basta apontar o mais importante: clareza. E para ser bem claro com você, leitor, esta característica do bom texto depende, em última análise, de saber o que dizer sobre o tema. Chame isso de bagagem cultural, repertório sociocultural produtivo (como prefere o ENEM), cultura geral, o importante é possuir ideias e informações. Pronto. Só isso? É, só isso SE você está acostumado com a escrita, se está habituado a conviver com as palavras.

Então está tudo bem, porque sua geração escreve muito, não? Quanto tempo você fica digitando no iPhone, no iPad, no iTudo? Já calculou quantas linhas você escreve entre o Whatsapp, o Facebook, o Twitter e o Instagram? Muitas. Eu calculo, pela minha média pessoal (e olhe que nem sou um usuário tão assíduo), cerca de duas a três páginas por dia (!). E presumindo que você se faz entender entre seus milhares de amigos e seguidores, é corretíssimo afirmar que você escreve bem. Escreve mesmo.

Ora, se tudo isso é verdade, por que fazer um curso de redação? Será que aqueles 45, 50 minutos semanais não são suficientes? Será que um curso avançado não é só para aqueles alunos “de elite”, que já fazem ótimas redações e querem fazer redações melhores ainda? Será que um aluno que está começando a escrever com frequência consegue acompanhar um curso desses? Vamos pensar sobre isso.

O primeiro ponto a discutir é o porquê de preparar-se especificamente para redação. Apesar de saber escrever, você talvez não esteja habituado a escrever do modo como as propostas dos vestibulares esperam, com progressão de ideias, vocabulário diversificado, domínio da norma culta, boa articulação entre sua opinião e o embasamento dela. Colocada desse modo, a tarefa da escrita no vestibular parece um bicho de sete cabeças, mas acredite, não é. O grande “porém” é o modo SIMPLIFICADO como alguns cursinhos tratam a redação.

No intuito de mastigar tudo e reduzir toda a história do conhecimento humano a um sujeito fantasiado fazendo micagens no tablado, ou um profissional frustrado em sua área que se mete a ensinar outra coisa só porque tem o dom de fazer psicodrama coletivo, as “máquinas de aprovações” reduzem a redação ao posto de sub-treco do vice-troço, como diria o grande mestre Mário Sérgio Cortella. Redação, assim, é algo tratado com menor importância, encolhido a uma aula curta, apenas pincelando temas, sem um mínimo de teoria do texto, conceituação de gêneros entre outros conteúdos que são, efetivamente, cobrados nos vestibulares.

E como se não bastasse a negligência com a aula em si, muitas coordenações parecem esquecer-se de que redação sem correção não faz sentido. Como tal crítica, porém, é velha, alguns cursinhos fizeram a gambiarra de contratar alunos de graduação em Letras (em alguns casos de cursos EAD), muitas vezes sem a devida experiência ainda, presumindo que o sujeito, só porque está no curso já sabe corrigir uma redação. Não vou me deter muito nisso, mas só para você, leitor, entender, uma boa correção mobiliza praticamente todas os saberes que são adquiridos ao longo da formação do professor, de modo que não, não é qualquer um que pode corrigir BEM sua redação. A correção ideal é feita no “cara a cara” (no “tête-a-tête, como dizem os franceses), lendo junto, fazendo você perceber o que deu certo e o que deu errado, discutindo o que pode ser aprofundado, o que ficou demais, o que soa mal na linguagem, enfim, o que o cursinho não pode oferecer (e quando tenta oferecer, mais atrapalha que ajuda).

Meu segundo ponto é a quem se destina, entre os vestibulandos, este tipo de curso. Você talvez já tenha ouvido dizer de tudo, desde que é algo só para quem não consegue aprender com o “basicão” que expus acima, até que é sofisticado demais e se destina apenas a alunos muito bons. Bem, nenhuma das explicações está correta: um curso de redação se destina a todo mundo, inclusive (e eu diria principalmente, se pudesse desenvolver melhor essa ideia – talvez em outro texto) a não vestibulandos.

Um curso de redação é o mais democrático dos cursos, pois, a partir de primeiro dia de aula, todos saem rigorosamente na mesma posição. Você pode estar se perguntando: ora, se um sujeito já fez cursinho dois, três anos, ele ou ela não começam em vantagem? Não. E sabe por quê? Simples: redação é prática, é um exercício de constante retomada (consciente) da tarefa de escrever. Você olha para o lado e vê aquele dinossauro que está prestando medicina há cinco anos, ok? É bem provável que ele ainda esteja no jurássico, entre o Ensino Médio e a universidade, exatamente porque tem a ilusão de que o problema dele são exatas, por exemplo, e não liga para redação.

Essa “filosofia”, aliás, é o que alimenta o mito de que não se estuda redação. E quando se estuda, é algo difícil, que exige demais. Com isso, outro mito se fundamenta: fazer curso de redação é “puxado”. Eu me pergunto: assistir a uma aula um pouco mais longa que os meros 50 minutos, fazer uma redação por semana, gastar meia hora corrigindo com um plantonista experiente (que já corrigiu ENEM e outros vestibulares) e assistir a outras aulas que lhes são disponibilizadas é “puxado”?

Definitivamente, fazer um bom curso de redação é simples, simples até demais. Porém, muitas vezes o que óbvio e simples é tão simples e óbvio que o observador descuidado não percebe (se você tiver tempo, procure um conto de Edgar Allan Poe, “A carta roubada”, leia e deixe seu comentário aqui). Meu conselho como professor é: saiba diferenciar o SIMPLIFICADO do SIMPLES. A redação boa, que vai lhe aprovar no que quiser, é simples; os macetes que querem fazer você engolir como aula de redação são algo simplificado, portanto ruim. Abra o olho agora e seja “bixo” ano que vem; ou, ano que vem, leia um texto bem parecido com este.

 domingo, 08 de março de 2015