Poeta de Gaveta

O GRITO

(Luiz Cláudio Jubilato – 10/07/2016)

E eu que queria gritar…
E eu que vi o universo derreter…
E eu que estava só…
E eu que abri a boca sem dentes…
E eu que encarava o infinito em desespero…
Estamos todos sós atravessando a ponte entre o nada e parte alguma…
Estamos todos sós perdendo nossos corpos e nossas almas em meio ao caos…
Estamos todos sós derretendo em traços e cores violentas…
Todos os traços e cores convergem para a boca sem dentes.
Todos os traços violentos convergem para o grito oco.
Todas as cores violentas trazem o caos para o grito mudo.
O quadro todo agride: distorções violentas.
O quadro todo agride: desencanto violento.
O quadro todo dói nas retinas.
O quadro todo dói na temática.
O grito violento ecoa preso na tela.
Edvard era louco (?) na sua lucidez e nós lúcidos(?) na nossa loucura.
Edvard grifou todos nós como um só. Somos a garatuja. Somos a rubrica.
Edvard? Há outras “coisas” na ponte.
São eles? Os que mandam em nós?
São eles? O que querem de nós?
Elas usam cartolas e fatiota.
Não têm cara. São sombras.
Edvard? Há canoas na água.
Elas navegam na luz do fogo.
Navegam sem medo no caos.
Edvard Munch estava trancado num hospício; nós soltos noutro.

CAMPBELLS SOUP

(Luiz Cláudio Jubilato – 11/07/2016)
Andy?… Annndy…!
você se vendeu, ensopado.
Andy?… Annndy…!
Você nos vendeu enlatados
Andy?… Annndy…!
Aqui está sua Monalisa, a perfeição estética
Andy?… Annndy…!
Aqui está o capitalismo, a perfeição fétida
Andy?… Annndy…!
Você posou de anticapitalista, caiu na sua própria armadilha
Andy?… Annndy…!
Você posou de artista, caiu da sua própria guerrilha
Andy?… Annndy…!
Você é pop
você é top
Andy?… Annndy…!
Você é ego
Você é cego
Andy?… Annndy…!
Você é atadura decorada
Você é caricatura descorada
Andy?… Annndy…!
Você chegou ao Olimpo e não chegou limpo
Você conquistou a glória e manchou sua história
Andy?… Annndy…!
Você é massa de manobra
Você é barata mão de obra
Andy
Você vendeu Coca, vendeu sopa, vendeu Marilyn, vendeu Elvis,
vendeu Che, vendeu, Kennedy, vendeu Mao
Capitalizado, vendeu a alma para o diabo
Famoso, morreu viciado na própria sombra
Repetiu, repetiu, repetiu… até que o aplauso exauriu…

A COR DOS TEUS OLHOS

Olho teus olhos. Remo no raso. Me atiro, sem escafandro, até o rumo

Me olham Me seguem Me olham Me amam Me olham Me desprezam Me olham

Me olham Me vasculham Olham Olham até não mais mirar meus contornos

 

Calor

Me olham me engolindo

Me olham me despindo

Me olham me comendo

Me olham me sentindo

Me alham me amando

Me olham se entregando

 

Cólera

Teus olhos não me dão colo

Me cortam  Me rasgam  Me buscam  Me amam  Me detestam

Olham  Não me veem  Olham  Nada creem Olham só Somente

 

Noite

Teus olhos me vasculham Me desnudam Me mapeiam

Me seguem nas vielas Me querem não querem

Sangue

Vultos vislumbrados arrastados pelo glaucoma

 

Meio dia a dia

texturas de Castanhas

Amêndoas Nozes Avelãs

 

A tarde tarde

toques de Morangos

Cerejas Uvas Maçãs

 

Sem luz

Perdidos divagantes viajantes

Noiva Neve Névoa Neblina

 

Por mim

Paixão Com paixão compaixão

Amor com amor  desamor

Pudor sem pudor despudor

 

(Luiz Cláudio Jubilato – 29/07/15)

 

 

DIZER O QUE?

Antes de ontem. Não sei.

Ontem, vivi. Acho

 

Hoje, na manhã, estava vivo. Creio.

Hoje, agora, estou vivo. Penso.

Amanhã. Não sei.

 

Passado. Passante. Passageiro.

Presente. Passante. Perdigueiro.

Futuro….Furo… Sem fundo.

 

Não sei.

Sei que não sei.

Saberei?

 

(Luiz Cláudio Jubilato – 28/07/15)

MANOEL NÃO MORRE MAIS

(LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – Homenagem a Manoel de Barros)

Homens não fazem do barro arte?

Barros torna o homem pura poesia.
Do Barro vens, ao Barro voltará

O quanto de Barros precisamos para forjar um homem, forjar o fantástico, para brincar com o real, para reinventar a língua? Chamar uma poesia de homem?

O quanto de um homem precisamos forjar para torná-lo xifópago de poesia?

Manoel de Barros morreu? Brincadeira!

Manoel brincou com os Barros de seu nome

Como se a literatura já não fosse sinônimo de si, sua arte
Manoel corpo deixou de existir, agora ele virou corpo de poesia.

Agora virou eterno, em letras, páginas.

Letras e páginas nunca são caixões: são faróis para sublimar a vida.

Nem quando se fecha a capa do livro.
Num país tão pobre de pele, Manoel saiu pelos, fugiu da superfície em direção ao céu, em direção ao seu.
Meus pêsames, brasil. Orfandade: sentimento poderoso, vil.

 

RIBOMBAR

(LUIZ CLÁUDIO – TODOS OS DIAS DA VIDA)

 

E trabalhei…E…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

tanto…tanto… que nem sei…

 

E trabalhei…E…trabalhei… E…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

tanto…tanto…tanto…que me desdobrei…

 

E…trabalhei…. E…trabalhei…E…trabalhei…E…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

tanto…tanto…tanto…tanto…que nunca cansei…

 

E…trabalhei…. E…trabalhei…E…trabalhei…E…trabalhei…E…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…trabalhei…

…tanto…tanto…tanto…tanto…tanto…que anoiteci…

 

erreitrabalheiacerteitrabalheideserteitrabalheivoltei

Sonheitrabalheirealizeitrabalheicompreitrabalhei

endoideci adoeci enraiveci vi revi desvivi revivi renasci

estou aqui

 

 

BOBO

(LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 25/07/59 – Dia do escritor)

 

Quando a escrita ainda garatuja pulava amarelinha brincava de polícia ladrão

a dona das verdades universais absolutas recitou pra molecada penugem debaixo do queixo

cara borrada irritada batom descorado perdigoto regras sobre como escrever bem

até hoje dentre todas as coisas boas más nem boas nem más não sei o que é isso também

disse que há grades chaves becos rodas gigantes corredores e chicotes grilhões carcereiros

tolo quis trancafiar Palavras entre a margem da folha do papel e o ponto final Cri nela

elas se libertaram das algemas Fizeram da minha pretensão carnaval Descri nas chibatas

a bruxa amarrotada de giz na mão esqueceu de vomitar em cima de mim Caminhos ninhos

Palavra é ser camaleônico tem mas não tem lugar muda esconde a cor Depois descarta a única visão

Pode escapar pode fazer viver e/ou matar e/ou roubar e/ou apunhalar e/ou correr

 

Palavra ora tormenta ora inventa ora se reinventa hora atormenta Tormenta

bate na mão retorce o pensamento estripa comove entorpece a emoção Solta a língua mão

língua solta língua de trapo língua de sogra língua de sapo língua Ferina Ferindo

escrita ela Palavra tem roupa letra som cara jeito de documento Será?

falada escapa pelos olhos foge pela boca como ares de vento espalha Será?

Palavra cachorro vira-latas não aceita coleira nem lei Será!

tempo período verso frase verso rima refrão

tempo põe ponto final reticências num vai pra lá sem limite

ponto é coisa ancestral ou ponto emocional ou interrogação

Antigamente riscava-se não com um dedo com a mão

apagava-se Palavra frase período com borracha não com toque de botão

 

Vírgula cria silêncio entre palavras frases períodos versos

interrogação cria o talvez, o sim, o não

parênteses encarceram pensamentos prisão

aspas dão status quo a qualquer comunicação

rima em “ão” é chute de bico entra no gol pobre mas é gol

palavra faca cega cabra cega Cega

substantivos adjetivos preposições verbos conjunções pronomes

agarram-se amarram-se devoram-se soltam-se sem cadeias nem amarras

Palavras têm olhos, pernas, fogem, abraçam, correm, comem, tramam, interagem

Palavras trazem bagagem Fiscalizadas enganam até raio “x”

 

sem um porquê rasga o indivíduo aos retalhos  planta o tal Estilo

meu corretor não corrige não sabe nada de nada bandido não quero correção

graças a deus à tela à falta de erudição Herro erro umano sou assim humano

não sei de línguas nem que Palavras bichos indomáveis derretem-nos sem precaver

por trás da máquina o homem programado programador piloto compilador

não conhece suscetibilidades subjetividades sensibilidades ataca a tecla feroz

aprendi a brincar com as Palavras errar de propósito sem propósito de qualquer jeito

Tempo presente demente inconsistente reticente digita-se na ponta dos dedos

minha identidade é minha assinatura não minha senha é carta não email

ultrapassado sou

 

Não tenho a soberba de declarar-me

escritor poetador romanceador

seja lá o que for

Palavras são escorregadias

aceitam bocas correntes não aceitam correntes

abraçam sem pudor os complacentes os coniventes

os dementes e os inocentes e os indecentes

Bobo onde for esqueceu preposição encontrou imposição

Bobo se você não entendeu palavra nem eu

UNHA

(Luiz CLÁUDIO JUBILATO – 30/06/2014)

 

Unha

Estranha palavra: arranha

Alcunha de garra.

Forma de cunha.

 

Unha

Garra encravada: entranha

deformada, mal tratada, atrofiada

O corpo fere. Na alma interfere

Dor aprisionada, esmagada, gritada

Sangue pisoteado, mimese das guerras do mundo.

Imundo.

 

A unha

Forma cortada: estranha

dor saciada, amansada, aquietada. Sim.

Nenhum sofrimento. Nenhum tormento.

Pedaços afiados, extirpados de mim.

Nenhum encantamento. Num encanamento.

Esgoto. Sem fim.

 

Unha

Garra. Arranha.

Cunha. Entranha.

Pelo encanamento, sem nenhum encantamento

Desce o fungo.

Imitação das drogas do mundo.

Imundo.

 

A PONTA APONTA

(LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 21/06/2014)

 

O meu dedo indica dor.

Dor física: imaginária? literária? libertária?

Dor tísica: pobreza? fraqueza? incerteza?

Dedo horizontal: esmaga lábio contra lábio; a mente solta.

 

O meu dedo indica a dor.

Dor doída: fetal? ancestral? animal?

Dor roída: descomunal? visceral? crucial?

Dedo vertical: tranca a boca; a mente solta.

 

Meu dedo aponta. Punhal.

Risca meu peito, rasga a minha alma

Risca o caminho, a meta, a encruzilhada: o aríete.

machuca o erro, a perspectiva, a medida: o porrete.

 

Meu dedo aponta. Espiral.

Arredonda a lógica, arrebata tudo em mim.

Arredonda a história, o descompasso: o passo

machuca a metamorfose, o compasso: o passo a passo.

 

Meu dedo indica dor.

Bate. Acusa. Acelera a calma.

Rebate. Ilude. Previne, acalma.

 

 

 

INDICADOR

((LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 25/06/2014)

 

 

Dedo acusador aponta

O

dono do sim? dono do não? dono de jim? dono pão?

que nem imperador com cara de rufião.

 

Dedo apontador balança

O

pêndulo do relógio? badalo do sino? rabo de cachorr?

que nem mãe com cara de não.

 

Dedo indicador  determina

A

Prevenção? saída? forca? força? solução?

que nem chicote no lombo de escravo fujão.

 

Dedo indicado, acusador, apontador

tormenta em mim,

atormenta a mim.