(LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 4/3/2014)
Enquanto rabisco bobagens nessa tela estúpida que me corrige quando me concentro em errar. Meu vocabulário intoxicante atesta minhas idiossincrasias. Escrevo para não me entenderem. Não tenho saco para essa história de ser fácil para ser compreendido. Se entenderem, o recurso final atende pelo nome de suicídio moral. Imbecilidade cultural.
Lá fora, um ser quase humano, tornado voz, berra. E chora. Depois, o choro miúdo farfalha. Cochicha. Não importa o barulho do cano de descarga dos ônibus, da descarga das casas. Não importa o comedor de fogo puto, xinga, não ganha um centavo no sinal. Minha pena forjada na minha burrice, transcreve o barulho, o incômodo, agora minha torta inspiração. Não dá o tempo de baixar o vidro. O sinal abriu. Dá para ver a cara devolver a moeda para o bolso ao primeiro sinal do amarelo virar vermelho. Sorriso verde. Sai.
Xinga baixinho, quase sussurra, a moça da bengala. O mundo ouve o clic da máquina. Não quer. Não deve ouvir. Flash. A objetiva avança. Só ela. As pessoas, não. Estacam. Jornalista: Vive de lapsos, de momentos, de flagrantes. Fragrância de crime. Manter equidistância profissional? Que nada! Notícia. Notícia. Mundo tosco. Vida torta. No ponto do ônibus, cada olho tem um norte. Nem um olha em frente. Nem um olha pro lado. Nem uma boca pra depor. Contar a estória. Mais uma? Igual? Nem um olho pra chocar. Clic.
Só mais uma subtração de valor pessoal, disse o policial no jargão policial. No ponto do ônibus, toda estaca é surda-muda. Nenhuma é testemunha. O medo fede. O medo feromônio para bandido. Sobrevivente? Craqueiro indecente? Canelas finas fogem. O cão sarnento corre. Único. Toma uma atitude. Arrebenta o medo com um latido. O ganido. A raiva na baba rasga o silêncio das motos sirenes apitos ônibus buzinas. O barulho empurra minha pena pra frente.
O repórter arrasta pelo braço a personagem do momento. Desconhece sua bengala. Sensacional: “A vítima cega, na Rua dos Cegos, roubada. Tinha posse da sua marmita. Sua marmita, seu arroz, feijão e ovo”. Onde estaria ela agora? O comandante esbraveja na entrevista com pinta de macho alfa. Esbraveja. Polícia. Incompetênci. Quem é o bandido? A polícia que atira ou o bandido que tira? A câmera desliga. Depois da matéria. Sensacional: “O comandante enfia a viola no saco. A prefeita não foi encontrada. Seu assessor também não. Nem o assessor do assessor”. O silêncio da autoridade é tapa. Deixa vergão. A cara da população. A polícia é vítima. O mundo é redondo. A polícia sabe; cada um de nós, também. A pena corre. Foge da minha mão. Tem agora coração. Propriedade.
Abro a porta da sacada. Estou no 14º andar. Minha visão cega corrompe a cegueira da moça cega. Vejo o mundo de cima. 14º andar. Minha indignação dura até a hora do almoço. Polenta com frango. Não vi a cara dela. Não como de marmita. Só o pescoço. Só lembro do policial ganindo no jargão policial : “Ainda bem que subtraíram uma marmita, não subtraíram uma vida”. Será? Quem é mais bandido: o bandido que sente culpa ou a polícia que inventa desculpas? Não entende que comida é vida.
Pretensiosos, escritores, poetas, intelectuais, poetas, idiotas de todas estirpes veem o mundo de cima. 14º andar. Tecem suas teses antropofágicas. Antropológicas?Supostamente lógicas. Ajoelham-se diante das evidências. Ficam de quadro. O rabo abanando. Estacas. Nem sequer imitam um cão sarnento ganindo. Interferem de longe, acobertados pela distância entre ler e entender. A pena põe o ponto na imaginação. Não na razão. Burrice. Burrice. Burrice. Animal. Escrita comercial. História fotografada pra jornal.
Esses caras parasitam a vida dos outros. Vampirizam seu anomimato. Vivem de sugar a pele, o corpo, o destino, o choro. A reinventar os outros que acham que existem de fato, quando só existem no fato. Olha que história faminta por emoção? Exagero? Comoção? A marmita da cega, com ovo e feijão, roubada na rua dos cegos.
Enquanto rabisco nessa porra desse teclado que insiste em não me deixar errar. Minha pena corre em desabalada carreira. A moça e/ou o jornalista é/são inspiração. Acho que a ponta do meu dedo corre para o final da linha, como quem põe final a uma vida. Não é ponto de ônibus, nem ponto final. É ponto crucial.
Lá fora o mundo é real. Gente come gente. Comem-se com seus olhos, suas bocas, suas palavras, sua burrice, suas ideologias, seus estratagemas, suas drogas. O mundo é redondo disse o meu avô. O cão, único a morder uma canela fina, de um bando ido, me diz no 14º andar: o mundo é uma droga. Ninguém toma partido. Todo mundo desaprendeu a gritar. Clic. Desaprendeu a pensar. Clic Clic clic clic