Por Que Escrevo No Facebook
Autor: Luiz Cláudio Jubilato
Uma ex-aluna, que não vejo há anos, me perguntou: “Por que o senhor escreve no facebook, professor? No facebook, as pessoas só leem textos curtos. Isso quando leem! O pessoal está mais interessado em joguinhos ou postar coisas idiotas sobre a própria intimidade. Por que o senhor não escreve um livro?”
Primeiro: Adorei o contato com uma pessoa tão distante no tempo e no espaço, afinal uma vez aluna, sempre aluna. Contudo, disse-lhe que achei a opinião algo limitada. Para mim, um pontos centrais é o caráter democrático do Facebook. Cada um posta o que bem entende, o que considera mais importante para si. Quem não gostar de qualquer post, pode se manifestar livremente. Nada é imposto. O Facebook pode vir a se tornar um grande centro de debate intelectual? Até pode. Mas, não é essa a proposta. Se não fossem as redes sociais, os protestos talvez nem acontecessem de forma tão significativa e não haveria tantas discussões e informações sobre elas. Há pontos negativos? Claro, porém ser herói ou vilão é apenas questão de ponto pode vista.
Segundo: Eu e o Rodrigo, ex-aluno e parceiro, bancamos a publicação de um livro com meus poemas e belíssimas gravuras dele. Acreditamos que confeccionáramos uma obra prima. Ela até provocou uma análise muito sensível e inteligente da jornalista Vanessa Maranha (Comércio da Franca, 13 de dezembro de 2008) e comentários elogiosos e gentis do Dr. Brasil Salomão (jornal A Cidade), advogado renomado. São as duas pessoas que, com certeza, leram “Imaginô, Criô, Circulô”. Como não conseguimos vendê-lo nas livrarias, passamos a dá-lo de “presente” para alguns “eleitos” ou participarmos de campanhas de distribuição gratuita. Um espertinho, agraciado com ele, numa campanha de circulação gratuita, tentou vendê-lo pela metade do preço da livraria num sebo de Batatais. Se deu mal, está lá encalhado. Se “de escritor e louco todo mundo tem um pouco”, já demos a nossa contribuição à perpetuação do ditado. E chega. Esses fatos até me deram um mote para escrever um artigo: “Quem lê poesia?”. Por sinal, poucas pessoas leram o artigo também.
Terceiro: As pessoas escrevem para serem lidas e eu não sou diferente. Vaidade? Necessidade? Terapia…? A resposta para essas questões não as tenho prontas, tenho algumas poucas suposições. Aprendi à custa de uma total mudança de vida que, quem quiser fazer terapia, que vá a um psicólogo ou a um psiquiatra. Escrever pode ser, entre outras coisas, por dor, medo ou prazer. Para fazer terapia, jamais. Como sou movido a desafios, quem sabe não seja pela vontade visceral de lutar com as palavras no ringue no qual se transforma uma tela em branco tal como uma página de papel? Talvez seja pelo simples fato de sentir com os dedos, ossos, pele, olhos e mente, que ainda estou vivo. Talvez seja o velho hábito de ser mais provocador que professor. Vá saber?! Escrever é doloroso, refazer o texto um trabalho suado, desgastante, por isso, em cada escritor, há certo sadismo em provocar o leitor e masoquismo para, além de enfrentar as palavras, submeter-se ao crivo impiedoso dele.
Quarto: O autor de um livro constrói um texto individual, uma ideia fechada, apesar de suscitar milhares de outras ideias no leitor. Na maioria das vezes, os que se aventuram a mergulhar numa obra, não têm outra opção a não ser guardar para si suas impressões. Não têm com quem dividi-las. No facebook, o texto é uma obra aberta, coletiva, compartilhada. O texto anda. Há textos meus em provas de concursos, em sites de universidades, em blogs que jamais vi. Um foi parar numa igreja em Apodi, no Acre. Não tenho a mínima ideia onde fica Apodi e muito menos por que o meu texto foi para lá. Há alguns que tenho certeza de que não fui eu que escrevi. Em outros apagaram o meu nome e assumiram autoria. Então, devem provocar algo em alguém, para fazer isso.
Quinto: Minhas idéias não cabem numa lata de sardinha, por isso minha ponderações são longas, doa a quem doer. Não me preocupo com agradar quem quer que seja. Não tenho coragem de redigir sobre um tema sobre o qual não pesquisei à exaustão. Nada contra, mas não escreveria sobre vampiros nem bruxinhos. Meu novo livro seria também distribuído entre os amigos, as editoras precisam sobreviver. Sempre agradeço aos que têm a paciência de ler minhas crônicas e meus artigos. Procuro responder a cada um que se predispõe a comentá-los, afinal a contribuição é crucial para os próximos. Aprendi que, quando alguém conversa com você, merece total atenção. Desses comentários muitas vezes nasce o próximo texto. É isso. Espero que sempre tenham prazer nas leituras. Publicado no Blog do Luiz Cláudio
Eu Tenho a Doença, Ela Não Me Tem
Autor: Luiz Cláudio Jubilato
Há algum tempo, estava assistindo à mini-maratona do Rio de Janeiro, quando o repórter, entrevistando corredores anônimos, virou-se para um e perguntou: – “Por que a sua perna está tremendo?” Ele respondeu: – “Porque tenho esclerose múltipla”. – “Mas, não dói?” – “Claro que dói!” – “Mas, você vai correr mesmo assim?” – “Vou.” – Mas, por quê?” – Porque eu tenho a doença, mas a doença não me tem”. Numa ensolarada manhã de domingo, em que nada acontecia, esse homem anônimo aconteceu em mim, fez com que eu mexesse em várias das minhas convicções.
Hoje, um poema de Manoel Bandeira, tuberculoso dos 18 aos 33 anos de idade, numa época em que se mal era praticamente incurável, remeteu-me àquela manhã de domingo. Bandeira, nos últimos versos de Antologia, canta: Vou-me embora p’ra Pasárgada! / Aqui eu não sou feliz. / Quero esquecer tudo: / – A dor de ser homem… / Este anseio infinito e vão / De possuir o que me possui. O poeta da vida, da estrela da vida inteira, pretendia, no seu anseio, controlar a tuberculose que controlava todos os seus movimentos, suas expectativas de futuro, seu desejo de vida, sua vontade de ter o outro e de ser possuído pela paixão e pelo corpo de alguém. O tesão de se entregar sem reservas, sem culpas, sem meias-palavras ou meia-boca. Manuel conseguiu vencê-la depois de perder a juventude para ela.
Hoje, dei de cara com um depoimento assustador de uma neurocientista americana, de 37 anos, chamada Jill Bolte Taylor. Uma serena mulher de olhos azuis como o mar driblou a morte também. Ao acordar na manhã de 10 de dezembro de 1996 com uma dor aguda na cabeça, percebeu algo tenebroso: estava sendo vítima de um derrame cerebral. Ela, que conhecia tudo sobre as várias áreas do cérebro humano, sentiu na pele o que é ser literalmente abandonada por ele. O mais curioso é que, pela primeira vez na História, ali estava a pessoa que poderia estudar esse órgão de dentro para fora. Depois de uma longa batalha, não apresenta qualquer seqüela da doença. A experiência rendeu o livro A Cientista que curou seu próprio cérebro. A obra já vendeu 500.000 exemplares nos EUA. São duas façanhas e tanto.
Parece que a grande lição aprendida por Jill Bolte e Manuel Bandeira para se curar foi tentar a todo custo domar o mal que insistia em possuí-los, subjugá-los. O corredor anônimo, controlando a perna que insistia em fugir do seu controle, tomou seu destino nas mãos. Não aceita a morte. Não quer morrer. Luta contra ela, mesmo que ela se transmute num vírus, numa bactéria, num defeito genético. Dribla seus desígnios nos remédios, nas mesas de operação, nas clínicas estéticas, nas academias de ginástica e nos cremes rejuvenescedores. Brinca de Deus para enganá-la mapeando o genoma humano, entregando-se desesperadamente às pesquisas sobre clonagem. A cada ano, novos cremes dentais, novas técnicas cirúrgicas, novas formas de alimentação mais saudáveis visam empurrar a expectativa de vida para o fim do túnel da existência. No Japão, por exemplo, a esperança de vida para quem nasceu em 2003 é de 81 anos. No Brasil é de 73. Estamos longe ainda das nações desenvolvidas, mas melhoramos muito.
Se a ciência não consegue resolver a imortalidade, procuramos a imortalidade na literatura, na música, na escultura, no cinema, na filosofia, nas coisas que realmente fazem sentido para nós. Ao transmutamos a morte em personagem, temos a chance única de matá-la, destruí-la, ridicularizá-la. Mas, precisamos repensar nossas ações. Com todos esses hormônios, inseticidas e agrotóxicos consumidos em cada refeição, com tantos alimentos estranhos ao nosso organismo cheios de conservantes, espessantes, revigorantes, edulcorantes… torna-se quase impossível não morrer de câncer, de doenças ligadas à obesidade ou de doenças degenerativas do cérebro, como Ausaimer ou esclerose. Se o corredor de perna trêmula pode domar o seu destino, então podemos, com um pouco de inteligência e vontade, escrever o nosso. Sem defensivos agrícolas. Sem violentarmos a nós mesmos. Publicado no Blog do Luiz Cláudio
O Brasil quer mesmo crescer?
Autor: Carlos R. Schneider
A resposta a essa pergunta parece óbvia e leva a outra indagação: por que não conseguimos crescer de forma consistente, mesmo com todas as riquezas que a natureza nos deu? A resposta é simples: mesmo que tenhamos condições favoráveis, para colher é preciso plantar. E o Brasil tem plantado muito pouco para querer colher crescimento acelerado.
Não tem havido vontade política suficiente para fazermos os ajustes estruturais que permitam reduzir o Custo Brasil e restabelecer a competitividade da economia deste país, para além das commodities, em setores que alavancam a produtividade – fator fundamental para dinamizar de forma saudável as relações de troca e a capacidade produtiva brasileira.
Quando a economia vai bem, nos esquecemos das reformas necessárias. Quando vai mal, alegamos necessidade de resolver os problemas de curto prazo e não as questões mais profundas que só mostrarão resultados mais à frente. Isso possivelmente nos remete a uma tese inaceitável sob qualquer ponto de vista: de que as coisas precisam piorar muito antes de melhorar.
Fundamental para o encaminhamento de uma solução é o avanço de uma postura de estadista, menor preocupação com as próximas eleições e maior com as próximas gerações, assim como maior demonstração de espírito público por parte dos governantes.
A reforma política, o ajuste fiscal, o aumento da eficiência da gestão pública, a modernização da legislação trabalhista e das leis que regem a administração do Estado são desafios complexos, mas que necessariamente devem ser enfrentados, não apenas para caminharmos em direção a uma sociedade desenvolvida, mas também para acompanharmos a evolução de outros países emergentes que vêm se destacando se comparados a nós. Para isso, é fundamental que saibamos nos articular e pressionar os governantes por esses ajustes. Até porque são as manifestações da sociedade que movem a classe política, desde que sejam suficientemente representativas.
O tripé que tem sustentado o crescimento recente do país está esgotando o seu poder de fogo. Os preços das commodities pararam de subir e até estão caindo; a possibilidade de absorção de novos contingentes de mão de obra está esbarrando na baixa qualificação de um percentual já reduzido da população ainda desempregada; e a viabilidade de continuarmos alavancando crescimento com consumo fica mais difícil na medida em que o nível de endividamento das famílias vem se aproximando muito de um limite prudencial. O consumo das famílias brasileiras já representa mais de 60% do PIB e as suas dívidas mais que dobraram nos últimos cinco anos, comprometendo acima de 40% da renda.
Segundo os economistas Fabio Giambiagi e Armando Castelar, entre 2005 e 2011 as vendas do comércio cresceram a uma taxa de 8,1% ao ano, enquanto a produção industrial não avançou mais de 2,4% em média. A falta de competitividade da empresa nacional permitiu o avanço dos importados. No caso de serviços, que não podem ser importados, o aumento do consumo pressiona a inflação. É o que estamos vendo.
O consumo só será importante para estimular crescimento econômico no longo prazo se o nível de investimento na economia estiver adequado. E é nesse ponto, principalmente, que estamos falhando.
Alberto Ramos, ex-economista do FMI, afirma que as economias latino-americanas precisam fazer reformas para alavancar a capacidade de investimento se quiserem aproximar a taxa de crescimento à dos emergentes asiáticos. Essa recomendação é ainda mais importante para o Brasil, que vem ficando bem atrás de vizinhos como Peru, Chile, Colômbia e México – em níveis de investimento e de crescimento.
Em 2012, a carga tributária no país bateu novo recorde: 36,7% do PIB, apesar das desonerações concedidas para reativar a produção. Segundo o IBPT, a carga de impostos no Brasil cresceu mais do que em qualquer outro país do mundo, afetando negativamente a eficiência geral da economia. Destaca ainda que somente uma reforma tributária que contemple redução e simplificação dos impostos, com uma gestão fiscal mais eficiente, pode promover a competitividade da nação.
Segundo o Banco Mundial, o Brasil é o país que mais trabalho requer para o pagamento de tributos: 2.600 horas por ano, mais que o dobro do segundo colocado que é a Bolívia, com 1080 horas. Contra, por exemplo, a Suíça, com 63 horas, e os Emirados Árabes, com 12 horas.
Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, afirma que temos um precário, e possivelmente, mais complexo modelo de tributação do consumo do mundo. E as recentes tentativas de simplificar a legislação do ICMS permitem concluir que a guerra fiscal continuará, por falta de sanções legais. A tributação ficará mais complexa e possivelmente ainda restará ao contribuinte pagar uma conta superior a R$ 400 bilhões a serem destinados aos fundos compensatórios previstos na proposta, nos próximos 20 anos. Dizem que nada é tão ruim que não possa piorar.
Certamente a Constituição de 1988, que foi pródiga em estabelecer direitos para diferentes parcelas da sociedade, provocou parte do avanço da carga tributária da casa dos 25% do PIB para os níveis atuais. E, certamente, outra importante explicação é o crescimento da gordura em uma máquina pública que cada vez mais confunde o seu papel de prestar serviços à sociedade com uma realidade em que se transforma num fim em si mesmo: deixa de servir o público para dele servir-se.
A frustração com a falta de reflexos positivos na taxa de crescimento da economia com as reduções na taxa de juros, ocorridas em 2012, reforça ainda mais a convicção de que expansão depende de ajustes que aumentem a eficiência do Estado e da economia.
Se as lideranças da sociedade civil organizada não se articularem para que, junto com as lideranças políticas, se crie um ambiente propício a mudanças mais profundas, logo a sensação de bem-estar da população, gerada por um frágil pleno emprego, se transformará em uma profunda frustração. Desnecessariamente.
Artigo publicado no Jornal Valor Econômico