O BODE

Há um bode no meio da minha sala. Não anda nem para frente, nem para trás. Já tentei expulsá-lo com tiros para o alto, cara feia, gritos de raiva. Ele se mantinha impávido colosso. Hoje me chifrou. Quer pastar. Nunca viu grama na vida. A simples possibilidade de encontrá-la boca a grama, torna-o um ser insuportável. Mas ele quer, porque quer. E eu continuo com o bode na sala, que quer pastar.

 quarta-feira, 05 de maio de 2021

A burrice dança

Considerei a possibilidade de dançar. Nunca soube dançar. Agora, manco, queria dançar. Inveja-me a destreza dos pés dos outros, o manejo do corpo do outro. Já não consigo sequer coordenar uma das partes do meu corpo dividido ao meio, contudo encasquetei com essa história de dançar. Queria, porque queria me superar. A moça bonita me disse palavras bonitas, certamente surrupiada de um desses livros de autoajuda. Tudo estava contra mim, inclusive, aquela coisa barulhenta, mais falada do que cantada, a que chamam de música. Dançar, para mim, era questão de honra, não para a mulher que me guiava como se guiasse um cego. E eu era cego das pernas e dos olhos e da boca e dos sentidos e colo de mãe. A gente, às vezes, é cega quanto às nossas limitações. Essa cegueira anda de mãos dadas com a burrice. (Luke)

 quarta-feira, 05 de maio de 2021

Manaus é lá, mas também é qui.

 

(O Boca do Inferno)

Médicos, enfermeiros, faxineiros, cozinheiros enfurnados em hospitais o dia inteiro e à noite também. Exaustos, muitos já com Sindrome de Bournaut. Enquanto isso, um “deputado” (olhem ao nível que chegamos), um jogador e um MC escondem-se debaixo de mesas de cassinos clandestinos. Têm dinheiro, mas não têm razão. Há 30% de testes falso-negativos. Manaus é aqui.

Miguel Nicolelis, um dos cientistas brasileiros mais respeitados no mundo, afirma: “Para a comuniodade científica mundial, um lockdown de 15 dias já não basta”. Não haverá enxadas para abrir covas coletivas. Manaus é aqui.

O Brasil é o maior vespeiro mundial: um verdugo para a comunidade internacional. Daqui a pouco, as vacinas serão equivalentes a água dentro de seringas, porque surgem novas cepas que driblam o princípio ativo do medicamento. Amigos médicos tentam evitar o caos; outros incentivam carreatas (com a gazolina a 6 reais). Mal sabem os manifestantes. Manaus é aqui.

Todo mundo sofre, porém mortos não trabalham, nem consomem. Pagamos um preço enorme para ficarmos vivos. Pagamos um peço maior ainda pelo desgoverno, o despreparo.

Até aceito que um cidadão comum não saiba o que ocorre na sua cidade, no seu estado, no seu país; um médico, jamais. Não me preocupam posições políticas, preocupa-me a burrice de quem deveria acordar a população, afinal Manaus é aqui.

A prefeitura de Ribeirão Preto é o exemplo acabado do despreparo, amadora ao extremo, age por impulso e nenhum planejamento. Não se organizou para fazer um trabalho sério nas periferias, onde moram pessoas apinhadas em um cômodo. Não têm água, que dirá sabão. Simplesmente, avisou: fecharemos para balanço amanhã. Manaus é aqui.

Em todos os países, que realmente lutaram contra a pandemia desde o início, criaram comitês científicos para decidirem as ações, planos de vacinação, planos de ajuda a pequenas e médias empresas e à população. Aqui, a ajuda virou esmola, descontada com juros e correção da já estuprada população. Manaus é aqui.

Não me importa se você é de direita, de esquerda ou do centrão, só peço: ACORDE. Nenhum político abriu mão das suas mordomias (não estou nem falando em salários). Há denúncias e mais denúcias dos coveiros de terno e gravata se refestelando com a morte da população. Manaus é lá, mas também é aqui.

 quarta-feira, 17 de março de 2021