Respondendo a um jovem escritor
(Luiz Cláudio Jubilato – metido a escritor)
Escrevo, porque um dia alguém lerá. Sabe lá? (que rima idiota). Quem se mete a escrever, é um tanto exibicionista, metido a analista, metido a besta, a piloto de avião ou mesmo a escultor e também mergulhador. Todo escrivinhador quer ser lido. Quer até tornar sua escrita um ofício. Crê que seu texto provoque, mesmo que ínfima, alguma transformação. Alguns, de tão adorados, parecem mártires de uma religião. Alguns têm gosto de fel, outros de iguarias sofisticadas, outros de algodão (poxa!!! rimas em ão???) e outros do que você quiser, porque mudam com a estação.
Como não sou lá um grande escritor (e nisso não vai nenhuma falsa modéstia, nem pedido de clemência, mas a mais pura constatação das minhas próprias limitações) sou egoísta (não egocêntrico) escrevo para mim. Para me ver no espelho da cara dos outros, dos seus seus olhos ora complacentes, ora alegres, ora perversos.
Ao contrário dos leitores vorazes, que se preocupam demais com a quantidade de linhas, páginas, capítulos, capas, nomes, para, em uma possível competição umbilical, sair vencedores. Preocupo-me em ler menos, para melhorar minha degustação. Um livro por semana? Um por mês? Depende. Alguns me agarram por uma tarde, outros me provocam por dias, outros me exasperam por meses. De alguns, me deslivro por semanas, de outros me deslivro por anos, aí me ligo por instantes, me desligo por parte da vida, de outros não consigo me desapegar. Confesso que houve um ou dois que não consegui terminar e me fascinam por isso mesmo, mexem com a minha incapacidade de mergulhão. Ou não passam de mera infusão? Não sei. Sei que não sei. Realmente, não sei não.
Para mim, a escrita é a medida exata de todas as coisas. Escrevo até minha paciência acabar ou não ter mais nada para falar. Um me ama; outro me xinga; outro discorda de mim; outro me considera simplesmente um idiota; outro para na primeira linha; outro me chama de charlatão; outro me acusa de partidário; outro me aplaude… Nunca fui um escritor, sempre fui um provocador, que mal se preocupa com a gramática.
A escrita provoca em mim e no outro alguma reação. Gosto mesmo é de provocar. Momentos, dias, anos depois, republico. Divertido ver o que e como mudei, como o tempo construiu ou reconstruiu a minha história, as pessoas que dela fizeram parte. O abandono do leitor é uma espécie de prazer. Deve ser o mesmo do atirador de facas no circo. Sou palavras. Até me dei ao trabalho de colocá-las em um livro cheio de imagens para disfarçá-las. O livro que ninguém leu, nem meus amigos a quem doei. Sei que dois jornais publicaram artigos sobre ele. No Comércio da Franca, a crítica deliciosa de Vanessa Maranha, que me enxergou, mandou-o ganhar o mundo, e ele ganhou. Ganhou os rumos da minha estante e das caixas empoleiradas no meu porão. Estão lá amarelecendo, mofando.
Doutor Brasil Salomão, um gentlemen, escreveu um comovido artigo sobre ele. Disse-me que sua leitura foi um raro prazer, por isso alguns me sacaneavam com o slogan de uma velha propaganda de um antigo cigarro que, este sim, ainda anda nas prateleiras por aí.
Não há mundo sem palavras. Se você pensou no silêncio. Engana-se. Nele há apenas a falta e não a ausência delas. Faça uma autopsia no silêncio e encontrará as marcas do crime.
Escrever é a arte de enganar. Nem uma autobiografia é fiel ao personagem. Somos personagens de nós mesmos. O escritor nada mais é que um prestidigitador.
E por que faço piada com a política? Porque odeio políticos profissionais. São uma superposição de maus interesses, nada mais.
Por que, nesse momento, não escrevi sobre o Afeganistão? Por que aqueles corpos caindo me assombram, tanto quanto os esmagados pelo terremoto no Haiti. O Afeganistão e o Haiti não estão longe das nossas tragédias humanitárias. Olhe em volta, o Afeganistão e o Hait estão aqui.
E por que escrevi isso aqui? Acredite: foi uma catarse em um dos raros dias do ano em que não tive muito o que fazer, nem conversar com o gerente do banco.
62
Cheguei aos 62 anos, não vejo nada de novo, vi o que vi, o que sempre vi. Minhas retinas sedentas pelo novo nunca ocultam o meu senso crítico: os homens insistem em não mudar.
Sou da geração das grandes distopias; o homem de calças curtas, ideias curtas, fala mansa, espada longa, inteligência de dinossauro, postura de brontossauro. Homenzinho inho. Aquele capaz de ajoelhar-se sobre o pescoço de um preto, sufocando-o até matá-lo; matar um gay por nada, a não ser que tenha inveja daquele que teve coragem de dizer o que é, o que sempre foi e sempre será. Ele, o assassino troglodita, sabe o que é e nunca admitirá.
Sou da época do despertador, criado para despertar a dor dos homens do sono eterno, porém eles insistem em nunca acordar. São os “idiotas da obviedade”, diria Nelson Rodrigues.
Depois de respirarem inseticida, reclamarem sobre o preço da gasolina, brigarem pelo preço das passagens de ônibus, os de sono eterno voltaram para casa para tirar selfies ou mexerem burramente no controle da tevê. São os homens “streaming”: coletivo de solidão.
A grande distopia do século XXI: a mesmice. Os homens insistem em não mudar; insistem em reclamar. Elegem o idiota, que a todo custo agora querem arrancar em que o puseram.
Pertencemos à era da reclamação, da culpa do outro que deveria fazer e não faz, do que bate com o peso da sua caneta, por quatro anos, na cabeça dos adversários e dos correligionários. Brutos ditadores não conhecem cabeças, alimentam-se dos facilmente enganáveis por palavras toscas.
Nasci brigando por gente que crê em gente. Odeio ditaduras sejam quais forem. Não sou de esquerda, nem direita, nem de centro. Sempre pense or minha conta e risco, detesto gurus.
As pessoas sabem da seca, vivem a seca, reclamam da seca, não se abraçam, secos; sabem de onde vem a secura, a coriza descendo, fungando. No dia do meu aniversário, pedi aos meus amigos que queriam me dar um presente, que plantassem uma árvore e me enviassem a foto: minha contribuição à vida. Tomara que nelas pousem abelhas, façam colmeias. Alguém precisa gerar e espalhar vida.
Aos 62 anos, sou capaz de criar, de não me desesperar e também de me indignar. Sei que sou muito maior do que o meu tamanho.
Não estou me vangloriando. Sei disso, porque sempre defendi que ninguém nasceu para ficar pequeno (depende de como crescer). Sou educador e também provocador. Poderia parar por aí. Ajudei a formar professores e alunos. Tenho poucos, mas sinceros amigos. Se tenho inimigos, isso é problema deles e não meu. Tenho uma família linda e, criando empregos, ajudo famílias a se sustentarem e prosperarem.
Cheguei aos 62 anos.
Sou feliz.
Cometi incontáveis erros, mas aprendi a aprender.
Estou irrequieto como sempre.
Nada me espanta neste Brasil varonil.
(O Boca do Inferno com azia dentro de um comprimido de ecstase)
O governador Eduardo Leite se declarou gay em uma entrevista ao jornalista e apresentador Pedro Bial. Parece até que a entrevista foi armada para que o governador acabasse de vez com as especulações sobre a sua sexualidade, que não deve pesar para quem o elegeu.
Um governador ter que vir a público explicar que é um governador gay e não um gay governador me lembra do romance de Machado de Assis em que Brás Cubas explica que é um defunto autor e não um autor defunto. Do outro lado do mistério, Brás Cubas concebe a vida como um grande teatro onde cada um representa o seu papel.
Sinceramente, se as pessoas cuidassem da própria vida, ao invés de ficar investigando a vida dos outros, seriam menos hipócritas. O problema é que muita gente não teria o que fazer. Desculpe, meu solitário leitor, foi apenas um instante de delírio. Isso nunca vai acontecer. Muita gente ganha dinheiro vasculhando a intimidade alheia.
Pelo menos, creio eu que não precisaria uma pessoa pública vir a um veículo de comunicação falar da sua sexualidade e não da sua gestão. Ao que me consta, o senhor Eduardo Leite foi eleito para ser gestor. Suas preferências sexuais são questões particulares. Mas, pelo jeito, as especulações parecem que o incomodam. A mídia, os oportunistas, os especuladores, os moralistas tiveram um prato cheio, a declaração serviu de palanque para falsos moralistas. Dessa vez, pelo menos, Bolsonaro foi autêntico, já destilara, em outra ocasião, toda raiva, preconceito e atraso da nossa sociedade patriarcal. Já pôs para fora o que muita gente pensa, mas não fala para parecer politicamente correta. A última vítima do presidente foi o senador Randolfe Rodrigues. Será que ele precisa se explicar no programa do Bial? Aguardemos os próximos capítulos.