DEUS dentes
Ando emoldurado pela neblina e as luzes dos postes. Respiro a cidade com seus guetos, templos, suas vestais e o seu despudor. Nada disso me interessa. Sou um deus, com botas de couro. Piso as poças d’água, sem me molhar com a podridão. Entre a paz e o medo, caminho dividido como um mortal. Venho impregnado de certezas. Me atropelam as incertezas. Carrego o mundo tatuado em vincos. Nas palmas das mãos: trilhas, picadas, as estradas principais, as vicinais, ruas e avenida. Todas em mim. Expremo um chiclete entre dentes. Mordo meu destino com avidez. Pareço um ruminante. Búfalo. Força desmedida. Sem saber pra que, nem por que. O vermelho na minha boca parece borra de sangue, mas não é. Cachup engana. Parece, mas não é. Ando empanturrado de arrogância. Pança cheia de sanduíches. Não creio em armas, nem guerrilhas. Creio no que vejo. Marginais. Revóleres. Vejo possibilidades. No corpo, ossos proeminentes. Músculos indecentes. Criados com anabolizantes. Esculpi a fantasia de gladiador. Enfrento qualquer ladrão com o poder da minha espada. Minha hóstia. Minha crença. Em mim. A religião do eu sozinho. Encastelado na minha fé em mim mesmo. Bato na cara dos outros. Sem correr. Sem temer a morte.
ESQUINA quina
Na esquina, vermelhidão, estátua de pele e pelos. Masculina feminlidade. Denunciam – talvez o rosto; talvez os olhos… de gazela… de leão… talvez o coração… Ele cobiça carne. A minha. A nossa. Abate qualquer uma. É um açougue. Ambulante. Comerciante de corpos. Ajusta sua mira. Vislumbre de caçador. De matador. Sem perdão. Sem remorso. Sem pudor. A quina da parede onde se apóia. E também o salto. Maachuca suas costas. Nunca temeu a dor. Rela nela. O chicote. O cuspe. O desdém. Acostumou-se ao desprezo. Dói. É. Como estaca no peito. Como pedras pontiagudas. Ferida no corpo. Não na alma. Deseja ter o meu ser. Ele mal se aguenta dentro das calças. Sexo, a sua profissão. Orgasmo, seu parque de diversões. Mesmo frustrado. Mesmo pago. Arrasta pelas ruas, esquinas e becos a arma sedutora: a boca. Enorme. Disforme. Pelo batom. Cor de sangue. O físico travestido. De mulher. Esconde o homem. As mãos… Ah! as mãos… O pomo de Adão proeminente. Como placas de neon. Indecente. As unhas escuras. Capazes de arranhar alma corpos e almas quaisquer. Basta cortarem o caminho. Feito faca. Feito destino. Atroz. Feroz. É. Lutador. Pegador. Sabre em riste. Dedo em riste. Pênis em riste. Cara triste. Cobra o pagamento. Pela lambida. Pela chupada. Estupro na noite. De vários. De todos. Sobras de tudo. Amor de ninguém. Aceita fácil. É assim. Sempre foi assim. Atormentado. Quase fera. Transgressor.
CINZA
Cidade cinza. Pessoas cinzas. Sentadas sobre fatos. Jornais sanguessugas. Enchem a barriga de crimes. Transpiram imundície. O inumano. A demonização da vida. Dos marginalizados. Para os que trazem a religião nos bolsos. Mercadores da fé. Refestelam-se para o bem de. Maldição dos outros. Pecados dos outros. É. Sordidez. Estupidez. Ele sabe disso. Ele é a cor. Explícita. Berrante. Agride. Tem garras. O Botox não disfarça sua idade. O silicone não compra outra natividade. Esconde-se onde a luz não está. Por trás da maquiagem. Onde os puros não se criam. Apenas os torpes. Os viciados em ação. Sua casa são as esquinas. Seu condomínio, os quarteirões. Os becos imundos. O submundo de luz baça. De lençóis tatuados com manchas. De desprazer. Medido pelos minutos. Pelos poucos reais. Pagamentos irreais. Pelo trabalho suado. Marginalizado. Desgraçado. Desgarrado. Incriminado. Pelos falsos profetas. Não quer ser salvo. Não vê saídas. Suborna, com voz forçada. Doce. Gutural. Quem se atreve. Se aproxima. Querendo. Implorando. Quem porta propostas. Amorosas. Sorri. Cobra. Expreita a presa. Prostitui-se dentre possibilidades. Ama o indecoroso. Nunca se submete. Tece teias. Aranha que é. Somente a calcinha arrochada. Disfarça. O perrturba. O expreme. O incomoda. Parte da cidade dorme. Outra parte se mantém sonâmbula. O medo mantém virgens os à procura de afeto. Não de sexo. Idiotas. Hímen. Lugar estranho para colocar a honra familiar. Desde criança não sabe o que é virgindade. Dignidade. Marginal que é.
A BÍBLIA porrada
Arrogante, creio ser capaz de ser o bem. Amado. Idolatrado. Arrasto. Deus mortal. A minha solidez. Minha estupidez. Sinto-me rocha pontiaguda arrebentando. A parede. Aguentando trombadas. Elas esculpem. Meu caráter. Meu senso. Minha Bíblia são minhas convicções. Meu altar. Minhas varizes queimam como ácido. São o meu sacrifício. Em prol da humanidade. Creio. Minha doação ao risco. Creio. Minhas lágrimas e minhas pernas me levam a nadar sobre o submundo. As ruas infectas. Gente porcaria. Creio. Mastigo minha língua. Uso a água da chuva. Me sinto limpo. Creio. Empurro o sangue goela abaixo. Dobro a esquina sem ser tocado. Coração na boca. Peito arfante. Driblei o destino. Repeli olhares pidões. Quero a segurança da moral. Da hipocrisia. Dos bons costumes. Na insegurança segura. Da minha casa. Da bíblia. Arisco. Não corro riscos. Não me afogo na lama do pecado. Acredito. Nas regras sociais. Nas leis. Nos mentirosos. De roupão. Ladrões de consciências. Trôpegas. Acríticas. Na falsidade. Sou alicerce. Sustentáculo. Me submeto. Impassível. Corrigível. Aos ditames. Das incontáveis igrejas. Da religião. Da pregação. Cheia de meias verdades. Massacradas pela autoridade. Escravizadora. Comercial. Da demência. Causada pela falta de indignação. De imaginação.
+ EU carne
Passo. Não olho pro lado. Só pra frente. Olhares me dissecam. Dilaceram. Minha carne. Minha pele. Minha idoneidade conservadora. Bajuladora do poder. Macho contido. Supostamente heterossexuado. Sem batom. Não porto máscara. Acho. Nem fantasia. Acho. Não é carnaval. Pelos menos acredito no não. Ele ataca. Masculinamente mulher. Musculosamente quase mulher. Promessas rasgam meus ouvidos. Ouvidos moucos. Não quero ver. Nem ouvir. O medo risca minhas entranhas. Martelo a tecla. Não posso ceder. Quero catequisá-lo. Só não o faço porque chove. Acho. Tenho a minha missão. Acho.Não me digno a colocá-la diante de um ser. Que a sociedade. Dita do bem. Rosna que é enfermidade. Penso em correr. Ele tem missão. A dele. Perscruta. Quer. Muda de direção. Não esfrego na cara possibilidades. Não quero. Acho. Não vou. Curioso. Escondido atrás dos olhos. Tenho a visão arrebatadora. Da falta. De moral. Social. Ele a ignora. Se escangalha de rir. Troca de presa. Sem aviso. Sem juízo. De valor. Valor capitalista. Elitista. Pseudo. Pseudo tudo. Fico com raiva. Acho.
CANIBAL animal
O que aplaca sua volúpia? Seu desejo de abater? Carne nova. Imberbe. Ou homens supostos. Escondidos atrás de alianças. Avança em direção a um carro. A placa está coberta. Considera se vale a pena. A vítima está ali. Escondida pelo vidro enegrecido de propósito. Parada. Sem saber de seus dentes de sabre. Tem também sede de amor. Bandido. O propositor some na noite. Engolido pelas Sombras. Transeunte carcomido pelas circunstâncias. Do desejo incontrolável. Que agride sua essência. Em crise de normas. Se perderá nos descaminhos da vida. Vira número. Comedido. Casado. Frustrado. A caçada recomeça. O preço transmuta-se . Em sustento. É comida. E comedor. Pantagruélico. Guloso. Intimidador. Ainda não amanheceu. Há carne à solta. corpos anônimos. Para serem consumidos. Mercadorias. Consumadas ou consumir. Afia a genitália. Range os dentes. Hora do ataque. Pretendo crucificá-lo. A sociedade. Já o fez. Quero sair de mim. De si. Dali. Quem a caça? Quem o caçador? Quem o mal? Eu vestal. Ele o mal. Quem de nós todos. É o animal? O predador? O comensal? O canibal?
(Por Luiz Cláudio Jubilato – 02/06/2013)