(LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 08/07/2016)
O velho Vincent era louco, disse o biógrafo louco para ter razão. Louca razão. Vincent nasceu velho. Escreve certo por linhas tortas ou escreve torto por linhas certas ou escreve torto com o torto. Suas razões, redige com pincéis. Seus pincéis traçam linhas bizarras. Suas canetas escancaram em traços grotescos a grosseira pocilga, onde pernoitam uns quase homens focinhentos, focinhos de ratazanas avançavam sobre batatas murchas. Murchas carnes. Muxibas. Mendigas criaturas. Criaturas famintas da criação. Olhos sanguíneos esbugalhados perscrutando as carnes e muxibas das caras uns dos outros. Famintos. Reconhecem-se na miséria da fome.
Os ratos amontoam-se na toca lúgubre de luz baça. Lúgubres não se tocam. São um ajuntamento de quase gente em andrajos. A loucura de Vincent escarra na cara do comensal observador sua natureza sórdida, distorcida, de nós, enojados, como se a cena contivesse baratas. Mas, baratas não têm focinhos, mas os focinhos devoraram baratas batatas. As cores de Vincent não falam, nem gritam, nem berram, escarram. As cores corrosivas se comem e se transpassam, pulsam e se expulsam, juntam-se e desajustam-se. O quadro, de janelas fechadas, é a escara da fechadura para o que não queremos ser.
Nosso futuro biógrafo terá suas razões para tentar obter a nossa falta de razão, quando frios, como mármore de carrara, nos vemos diante dos comedores de areia e bebedores de petróleo. Aqueles consumidos pela peste da fome. Aqueles que abandonam suas semicasas. Aqueles cujos corpos dão nas praias enrugados. A morte enruga. Aqueles que estão soltos pelo mundo em busca de porquês. Eles, os roedores comedores, estão ali, estão aqui; as batatas baratas também; as razões sem razão também, a loucura também, mas Vincent não, nem os porquês. Nem suas cores, nem seus traços que expõem as vísceras, as feridas da miséria humana que nos recusamos a entender. Mas, vamos falar de cor cinzenta amarronsada do quadro cena janela: O velho Vincent não precisa estar onde sempre esteve. Sua biografia é o seu tracejado violento, seres que saltam das telas.