Poeta de Gaveta

EM QUE ESQUINAS FICARAM OS NOSSOS IDEAIS?

(PROFESSOR LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 18/10/2023)

 

Nossos filhos entoavam hinos à liberdade, contaminamos cada um deles com o desvario da esperança. Levantávamos os punhos cerrados.  Brigávamos contra nossos próprios erros. Cremos na paz, mas usá-la para provocar a revolução. Nossas certezas exprimiam-se entre os cantos das bocas e o ranger dos dentes. Os perdigotos balizavam a secura da nossa saliva. Nossas vozes roucas ganhavam corpo. Queríamos a revolução. Marchávamos sem fuzis, pistolas nem canhões. Nossas armas são nossos corpos, nossa indignação. Os velhos carregavam nos ombros as saudades dos anos 60: “Caminhando e cantando/e seguindo a canção/somos todos iguais/braços dados ou não”. Os jovens gritavam, com raiva, por uma nova nação, sem politicagem, sem corrupção: “Quem sabe/faz a hora/não espera acontecer”. Roçavam seus corpos suados invocando a democracia, única teia que os uniam.

Milhares de pessoas marchavam sem coturnos, mas com disposição. A multidão cansada investiu contra bandeiras viciadas de partidos empanturrados de poder. Sindicalistas infiltrados levaram bofetadas com suas bandeiras surradas, pois queriam tomar para si a paternidade da revolução. Os que tinham cara de dedos duros e cabos eleitorais foram reduzidos a ratos escorraçados, o que, na verdade, são. Nas esquinas das cidades, embolavam-se berros, punhos, cartazes e cidadãos.

Na multidão de anônimos, a criancinha carregada no colo do pai exibia a foto:  “Minha fralda é mais limpa que o congresso nacional”. A foto nos telejornais, nas capas de revistas e jornais virou o que se chama hoje de marketing viral. Todos os que viram, riram. Todos os que riram, não viram o óbvio. Todos os que riram, não se reconheceram na foto. Ela é a síntese da nossa incompetência, de toda a nossa alienação. Nós estamos na merda. Os porcos continuam entocados no poder. Sabemos onde estão, fazendo o que e por quê? Por que não prestamos atenção nos risos sarcásticos, nos discursos cheios de palavras intraduzíveis para os pobres, repletos de sedução?

A toca é a síntese do não: não fazemos nada para os outros, somente para nós; não adianta gritarem, não acreditamos em revolução; não, não interessa o que quer o povo, se for preciso sacrificaremos gerações. Vamos dar ao populacho, à patuleia ensandecida o que ela mais ama, mas não sabe o que elas escondem: um monte de promessas vazias e siglas que ninguém entende, mas aprecia: ENCEJA,  PROUNI, ENEM, PAC.

Aprendemos que política não se discute, detestamos política, odiamos os políticos. Preferimos as novelas, o chope, o ódio represado, não canalizado, que não nos leva a lugar nenhum. Surgem os profetas nos bares; os revolucionários da sala de aula; os universiotários do dizer e do desdizer: uns pregam em grego, outros gritam em latim, muitos falam em inglês, a maioria não faz nada em português.

Essa criança um dia será um jovem, o tempo exibirá sua foto, sua curta história. Riremos mais uma vez, mas o que contaremos a ele? Por que nossos gritos e atitudes não limparam o cocô? Conseguiremos, com nossos olhos sem lágrimas, esbugalhados, pasmados, dizer a ele que, mais uma vez fracassamos? Fomos manipulados. Desviaram nossas atenções do que era mesmo importante. Até quando usaremos esse discurso de que a culpa não é minha, não votei em ninguém? São todos iguais, todos assaltam alguém.

Nossas bandeiras eram amplas demais. Então, por que as empunhamos? Por que permitimos que um bando de idiotas tomassem de assalto os protestos legítimos que fazíamos? Ah! Alguém dirá: “Isso é democracia. Todo mundo tem o direito de se manifestar”. É verdade: até todos aqueles que jamais assumirão suas culpas. Até aqueles que só se indignam antes do jantar. Até aqueles que nunca mudam e nunca contribuíram com nada pra mudar. Até mesmo os modistas, os que desfilaram nas ruas suas grifes porque era modismo gritar.

A democracia é assim, tem seus princípios básicos: todo mundo tem o direito de falar e também se calar. Os porcos continuam ditando as regras, na “democratura”, comendo no almoço e no jantar fatias suculentas da nosso trabalho, nossas idiotices, convertidas em poder. E, nós, acorrentados em nossos pelourinhos invisíveis, ainda temos o despautério de reclamar. Vamos continuar com essa história de que a democracia é assim? Então devemos ter uma ditadura? Claro que não. Porém, do jeito que está e estará, não pode ficar.

Os que se disseram revolucionários um dia, mas não quiseram, nesse momento crítico, se levantar. Vêm com o discurso burro e fracassado de que fizeram tudo para mudar. E tudo está como está. Eles são a frauda. Por culpa deles que não nós legaram nada e por que também nào achamos saída é que somos a frauda e estamos na merda.