Eu vi um menino correndo… E vi também um adulto se escondendo. Era uma esquina de uma cidade como essa em que gente vive. Mas, que gente? Demente? Doente? Ausente? Não sabemos dela, de nada, nem de nós, nem de ninguém. Passamos o tempo correndo, porque corremos atrás do prejuízo. Quando o encontramos, não há mais o que fazer. Mais um ser humano perdido, invisível, desprezível, indizível. Impossível.
Eu vi um menino morrendo… E vi ‘otoridades’ se escondendo. Não vi gente indignada gritando. Menos um FEBEM, NINGUÉM. Roubo. De quem? O homem sem cabelos e sem desvelos morreu. Perdeu o dinheiro. O menino sem dinheiro e sem futuro. Perdeu a vida. Único bem. Único fardo. Estendido na calçada. O sangue pisado, fedido, talhado.
Eu vi um menino sofrendo… E todo mundo se escondendo. Do presente esquálido, de futuro maltrapilho. Nenhum grão de comida no inchado ventre vazio. Nenhuma perspectiva no imenso vazio da cidade. Sem pai, sem mãe, sem enredo. Vi também pessoas passando. Ninguém parando. Muito menos se importando. Gente do lixo. Lixo de gente. São apenas passantes. Seres itinerantes. Meros viajantes de uma morte sem fim.
Eu vi um menino matando. Eu vi a vida. Escapando no meio dos dedos. Manchando a calçada. O solitário, otário, caiu sangrando, cagando na entrada da feira. Seminu, comida de urubu, nas manchetes dos jornais. Não vi nenhum educador, somente o infrator, canino, sem seu destino, ainda menino, dentro do camburão. A sirene da polícia. A raiva entre os dentes. O soco no olho. Caolho. Indiferente. O buraco no ventre. As vísceras de fora. Agora. Na primeira página. Terror. Torpor. Horror.
Eu vi um menino cantando… Canções de guerra. Tinha a intenção de revirar a terra, para plantar. Menino sem futuro, menino no escuro; criança que nunca soube criançar. Menino velho, enrugado, seco decrépito que jamais soube brincar. Menino abandonado, viciado, violentado, fácil de cooptar. Sem identidade, sem verdade, sem vontade de continuar. Menino nervoso, raivoso, fácil de manobrar.
Eu vi um menino fumando… Um delinquente. Vi seu futuro demente, inconsequente. Não vi um padre trabalhando, nem um voluntário se esforçando, nem uma ‘otoridade’ planejando para fazê-lo parar. Vi o menino avião, extenuado, no chão, como na tela no cinema. Onde miséria é apenas estética, tema e não uma arena onde gente é comida de gente, cuja humanidade é fácil de arrancar. Filho do tráfico, do traficante, meliante, que o estado ajuda a forjar.
Eu vi um menino andando… Não vi o rumo. Vi-o se esgueirando entre os carros numa esquina. Uma esmola pelo amor de Deus, pelo amor dos seus que um dia ele pode matar. Só não vi ninguém se esforçando para fazer o seu futuro mudar. Eu vi um menino riquinho abaixando o vidro para vê-lo esmolar. Ele descobrirá facilmente que a morte é coisa rápida, que a vida daquele menino irá ceifar. Um presente sem futuro, cujo ódio a sociedade irá eliminar.
Eu vi a gritaria dos maus… Vi também o silêncio dos bons. Todos querem salvar o planeta para os seus filhos, mas quando irão salvar os seus filhos para o bem do planeta? Vi muitas bandeiras se agitando, vi muita gente falando, sem jamais olhar para o umbigo. Sem jamais olhar para o lado. Só olham para a frente, sem prestar atenção ao passado, acuado, sem história para contar. Vi a ignorância dos tolos. Mas, vi a omissão dos acomodados. Vi a predição dos resignados. Mas, vi também uma semente nos olhos dos indignados que, quem sabe, um dia, resolvam parar de falar para começar a trabalhar para mudar.
Luiz Cláudio Jubilato