Mais uma livraria fechou em Ribeirão Preto

Em dois meses, três livrarias fecharam. Isso interessa a alguém? A quem?

Liquidaram livros, fecharam as portas. Isso importa a alguém? A quem? Bibliotecas fecham com a mesma velocidade em quase todas as cidades. Isso interessa a alguém? A quem? Estava eu em uma cidade de quase 300 mil habitantes. Havia uma livraria. Hoje, no local, há uma loja que vende jeans. Isso importa a alguém? Não. Praticamente ninguém deve ler. O proprietário fez uma feira do livro na minha escola, só a escola comprou livros.

Essa não é a única, mas é uma razão de estarmos enfiados no buraco onde nos metemos. Livrarias são apenas atravessadoras entre a editora e o consumidor, como muitos alegam. Sim. Mas, o trabalho continua, afinal migraram para a internet. O espaço da livraria é importante.

Sei que esse artigo não interessa a quase ninguém, contudo deveríamos pensar (se é que ainda temos capacidade para isso): Nosso subdesenvolvimento começa justamente por termos um vocabulário pobre, que nos leva a não compreender os fatos, muito menos a interpretá-los. É uma vergonha futuros universitários procurarem modelos de redação prontinhos. Na internet, há uma grande feira. Quem cobrar menos pela fórmula mágica leva o enganado de presente. Não há modelos nas universidades e nem milagreiros.

Talvez seja por isso, que as pessoas compram discursos tortos, falidos, lamentáveis, como verdades absolutamente cômodas. Políticos compram projetos prontos. Teses são copiadas.

Não sei, em vocês, caros amigos, mas, em mim, ficou uma sensação de um vazio, quando as lojas, que vendiam os discos de vinil, os tiraram das prateleiras, para se tornarem objetos para colecionadores. Os vinis eram obras de arte completas: as músicas, as capas elaboradas por alguns dos maiores artistas visuais. O som emitido por um vinil é incomparável, havia todo o ritual em torno da escolha da agulha, da limpeza do disco.

Um livro de papel destrói árvores, contudo penetra nas consciências para que aprendam a não derrubar árvores apenas para fazer livros.

Alguns dirão que as grandes livrarias têm lucros astronômicos e, por isso, os livros são muito caros. Eu diria que a política para o livro neste país é caótica, por isso também o livro é muito caro. O MEC joga milhares de livros fora pelos motivos mais absurdos: os impostos são caros.

Um presidente detestava livros, o outro mandou esconder a biblioteca do Planalto, para colocar, no lugar dela, escritórios para a família.

Agora teremos acesso ao kindle, como temos ao Spotyfi. É a vida, o progresso, a tecnologia, engolindo tudo. Nossa memória afetiva morre com essas coisas novas incolores e inodoras. Não há necessidade de capas maravilhosas, encadernações fenomenais, artistas.

Quando os alfaiates foram trocados pelo “pret a porter” (pronto para usar), as roupas se despersonalizaram. Não são feitas sob medida para você, você se enfia nelas.

A Amazon é também intermediária, é uma espécie de Streaming. Uma grande parte dos e-book têm o mesmo preço de um livro físico. As ofertas são, na maioria das vezes, para desovar livros encalhados, como faz hoje o Prime com filmes e séries. Essa estatística de que nunca tivemos tantos leitores não é o que é constatado por várias pesquisas de institutos especializados, como a Fundação Lehman; primeiro, a venda de livros está ligada às famigeradas listagens oficiais dos vestibulares, no entanto a maioria dos alunos lê resumos; segundo, professores das redes públicas são os que menos leem, segundo dados disponíveis em vários sites na internet; terceiro, o Brasil é um dos países em que menos se lê livros no mundo; na prova de análise de textos, do Programa Internacional de Avaliação de Alunos nosso desempenho é sofrível, fruto de um país em que pouco se lê. A metáfora do alfaiate foi usada para definir nossa constante perda de identidade e da arte que marca época. Eu poderia usar, ao invés do alfaiate, a troca das notas de papel pelo cartão de crédito ou troca da nossa assinatura pelo @ alguma coisa. Não sou contra as revoluções industriais. Hoje comprei um e-book. Preciso urgentemente de um sebo, afinal vício é vício. Preciso de duas vidas para ler todos os livros que possuo. Penso: “Haverá alguém que os quererá, quando eu morrer?”.

 quarta-feira, 06 de janeiro de 2021

2020 IMPORTA

POEMA PORNOGRÁFICO

Vidas negras importam

Vidas abaixo da linha da pobreza importam, 600 reais surrupiados pelos riquinhos importam, medicamentos escassos importam, UPAs mal equipadas importam, hospitais mal equipados importam, covas coletivas importam, o SUS sucateado importa, feminicídio importa, o sistema educacional falido importa, a perda do salário importa, o não use de máscaras importa, a bala perdida com o endereço certo importa, o excludente de ilicitude importa, o prefeito ladrão importa, os vereadores subornados importam, a polícia que mata a esmo importa, a polícia que morre por vingança importa, as milícias conchavadas com as autoridades importam, o governador corrupto importa, os deputados subservientes, complacentes e incompetentes importam, o voto no menos pior importa, as penitenciárias abarrotadas de pretos pobres importam, o presidente néscio, inepto importa, as instituições importam, a democracia importa, a liberdade de imprensa importa, as fake news importam. a burrice importa. Vidas importam.

Passe álcool em gel nas mãos

Lave as mãos com água e sabão. Que lindo!!! Falta água na maioria dos bairros, falta água na favela, falta água no Nordeste, só não falta água quando chove e não chove há anos. “Passe álcool em gel nas mãos”. Que lindo!!! Com 600 reais se compram comida, sabão e alguma diversão, mas álcool gel não. Com 300 reais, compram-se comida, sabão e mais nada, nem diversão. “Lave as mãos e passe álcool em gel, quando estiver na escola”. Que lindo!!! Não há sequer cadeiras, não há professores, a escola de agora é a cópia escarrada do que sempre foi: um imenso e lúgubre deserto. “Lave as mãos ao chegar ao hospital, ao tocar nos objetos e nas pessoas, passe álcool em gel”. Que lindo!!! os hospitais estão superlotados, há macas nos corredores, há médicos infectados, há enfermeiros infectados, há faxineiros infectados.

Não consigo respirar

“Não consigo respirar” por culpa desses joelhos enterrados no meu pescoço. “Não consigo respirar” por culpa desses joelhos enterrados nas costas daquele negro americano. “Não consigo respirar” por culpa desses joelhos espetados no pescoço daquele negro brasileiro. “Não consigo respirar” por culpa desses joelhos enterrados nas costelas daquele negro nigeriano. “Não consigo respirar” por culpa desses joelhos enfiados na cara daquele negro francês, daquele negro imigrante, daquele árabe oprimido pela ditadura sanguinária forjada pelo dinheiro do ocidente, daquele latino oprimido por uma ditadura sanguinária forjada pelo dinheiro das grandes potências. “Não consigo respirar” pelo fedor vindo dos caminhões frigoríficos estacionados nas portas do cemitério, pelo fedor dos corpos empilhados perto das covas coletivas. “Não consigo respirar” por causa das queimadas na Amazônia, das queimadas no Pantanal, das queimadas do serrado, das queimadas da Chapada dos Guimarães, da Chapada dos Veadeiros… “Não consigo respirar” com os inseticidas pulverizados sobre as plantações.

2020 IMPORTA

ANO DA RESISTÊNCIA

Contra o vírus político com cirrose, com pneumonia, com hipocrisia, com cegueira, com burrice, com egoísmo, com egocentrismo. O vírus sifilítico, isolacionista, desafiador, previsível, atingível. O vírus que justifica o maior laboratório a céu aberto da história depois do nazismo. O vírus exige aplausos nunca na entrada, sempre na saída.

 terça-feira, 29 de dezembro de 2020

É NATAL: NOITE DIVINAL

Meu filho faz aniversário no dia 21 de dezembro. Sacanagem. Ele sempre ganha um presente no aniversário e um adendo no Natal, se sobrar uma grana. Ele fica puto. Mas, fazer o quê? Minha mulher poderia ter segurado até dia 25, afinal nossas desculpas seriam menos idiotas, mas, não, achou de deixar o moleque escapar no dia 21. Ele reclamou sobre tal destino inglório ao monitor do hotel onde nos hospedamos, que olhou para o céu e resignado soltou a bomba. Minha mãe conseguiu, nasci no dia 25 e pior (tem como ser pior?) Sempre tem. Meu irmão também nasceu dia 25, só que dois anos depois. Vai ser boa de mira lá conchichina. Apresentou-nos o irmão que, resignado, olhou para o céu. Eram a cara dum focinho do outro. todos os ganhavam, cada um, um presente que servia pros dois. A mãe, pão-dura, dava uma camisa para cada um, para que pudessem trocar. E assim inventava que eram dois presentes.

Naquele ano, a grana estava mais curta que a minissaia da Gretchen (entreguei a idade). Comprei uma árvore de um monte de bolinhas. É fácil passar a perna em crianças. Passaram um dia sem ralar a cara no chão ou dar uma bolacha no outro. Bolacha é coisa de mineiro, semelhante a levar uma piaba, um tapa na fuça. Comprei várias bonecas e carrinhos. Dava um a cada dia. Economizei uma grana para o brinquedo fatal. Fiquei horas na fila de uma maldita loja de brinquedos para comprar uma caixa com os tais cavaleiros do zodíaco. Cheguei às 9h. resisti heroicamente. Era o último da fila; na minha frente, umas cem pessoas. Às 14h chegaram os malditos cavaleiros. Alguém tentou furar a fila e levou uns tabefes. Às 14:30h, não havia mais unzinho sequer. Protesto geral, ameaça de quebra-quebra. O gerente levou alguns empurrões; o segurança e assegurou de que não seria atropelado, amassado pela turba insurrecta e fugiu para os fundos da loja visivelmente apavorado, a careca ligeiramente vermelha, exibia marcas de dedos.

O dono gritou que viria uma segunda remessa. Cada um só podia levar uma caixa. Alguns ameaçaram protestar, porém a turba ensandecida ameaçou-os. Puseram a viola no saco e não deram mais nem um pio. Chegou a nova remessa. Resultado: 15:16h peguei a minha e saí com ela debaixo do sovaco, olhando para os lados, desconfiado de todo mundo, como todo mineiro. Cheguei em casa. Levantei a caixa em sinal de vitória. Festa geral. Jogamos todos os bonecos no chão. Para o meu desespero, os bonecos não vinham montados. Aí começamos a montar seguindo aquela história da tentativa e erro. Nenhuma peça encaixava com a outra. choradeira de criança. Baixou o desespero.  Fui acusado de comprar cavalos “falsiê”. Minha mulher, da organização ESPOSAS SEM FRONTEIRAS, conversou com eles com um chinelo na mão: “Engole esse choro, anda”. Funcionou que foi uma beleza. Sempre tenho vontade de rir nessas horas, porque ela não mata nem uma mosca. Eles ficam com cara de “duvido”. “Aonde vamos jantar?” Pensei: “Nessa draga, vamos comer o cachorro quente da Fá (famosa em Ribeirão, matéria do JN). O Pégaso levou os últimos caraminguás.

Para não dizer que não tentei, liguei para dois restaurantes. Perguntei sobre a ceia de Natal: estavam fechando. Outro disse: “Aqui a gente não tem essas coisa (aqui o pessoal troca o singular plural numa boa) não, cada um come em casa”.  Veio a ideia salvadora. Quem sabe um hotel pudesse servir uma ceia? Baratinho, claro. Tentei o primeiro. O atendente disse: “A gente não faz essas coisas aqui não? No outro, os preços eram proibitivos. No quinto ou sexto, veio a salvação: “Estamos lotados, uma família inteira alugou o salão. Posso perguntar para eles, se não se incomodariam de colocarmos uma mesa a mais”, se o senhor não se incomodar com o barulho. Que barulho? Podia ser até no meio de uma micareta.  Voltou com a resposta de cair o queixo: já que o salão já está alugado mesmo, o senhor só paga a bebida. Juntamos os moleques (sem cavaleiros do zodíaco, é claro). Eu não aguentava nem mais olhar para aquilo. E fomos. A família era grande mesmo. As crianças viram meus filhos. Vieram buscá-los e os adotaram por uma noite. Deram-lhes presentes, beijaram-lhes os bochechas e coisa e tal.

Às vezes, sacrificar-se pelos cavaleiros do zodíaco tem suas compensações. Ao invés de dois catarrentos chorões, você pode ganhar duas crianças em êxtase. O hotel não cobrou nem as bebidas, para meu alívio. Em casa, não dormi, fiquei pensando: Por que recusei aquela maldita garrafa de sidra Cerezer? Ia parecer uma Dom Perignon.  Assim ficaria mais fácil enfrentar o raio do não sei que dos cavaleiros de não sei quem.

 quinta-feira, 24 de dezembro de 2020