Alice no País do Enem
Por Prof. Luiz Cláudio Jubilato – diretor do Criar Língua Portuguesa e Redação
20/12/2013 – Sempre digo aos meus alunos, no primeiro dia de aula, que o Enem não vai dar certo. Eles dizem que sou agourento. Não sou. Tenho discernimento: não tem como dar certo. Há muitos interesses por trás. Muito dinheiro. E você sabe que político detesta isso.
Explico que o Brasil é um país muito grande, com violentas distorções educacionais e de caráter de pessoas envolvidas. Não há revolução educacional nenhuma. É lorota pura. Nossos resultados pífios no "pisa" mostram isso.
Houve já denúncias sobre a idoneidade do consórcio que fazia a prova, sobre a gráfica que a imprimia, sobre quem a distribuía, isso sem falar em quem a corrigia.
Provas usadas para avaliar o grau das dificuldade dos alunos tiveram questões repetidas na prova oficial.
Os alunos não entendem como calculam sua pontuação. É mais difícil fazer isso que passar. Textos bem avaliados que trazem hinos de clube e receitas de macarrão revelam o nível da correção.
O tempo é exíguo para "chutar" as questões, não dá tempo nem para lê-las e ainda fazer uma redação. Muitos não conseguem se inscrever no Sisu, sobram milhares de vagas. O sisu tem de ser reaberto no ano seguinte para preenchê-las.
Fora os fiscais mal preparados também, quadrilhas agora vendem vagas. Todo ano há denúncias de vazamentos. Neste ano, já começaram. O enem parece uma peneira. E o governo faz enorme propaganda sobre sua grande jogada educacional: substituir os vestibulares. Pergunte a um aluno de escola pública se ele tem como competir com um de escola particular numa prova conteudista como essa. E disseram que não seria assim. Privilegiaria os pobres. Você crê em coelhinho da Páscoa? Saci prerê? Papai Noel?
Se crê, boa sorte, além de um próspero ano novo. Pense se alice vivia realmente no país das maravilhas?
Passou da hora de acabar com as desculpas
Se vestibulando passasse o tempo que leva para arrumar desculpas para o fraco desempenho e futura derrota estudando, passaria facilmente no vestibular. Todos têm um ano difícil, muitos conseguem, para evitar problemas, planejar a vida, de forma a corrigir rumos.
A maioria diz que passar é muito difícil, por isso parou de estudar, pois sabe que não vai passar. Às vezes eu acho que é gozação, mas não é. Então, eu sempre pergunto: "Quando você chegou ao colegial, alguém lhe disse que seria fácil?". É um tal de parar, de largar, de se desculpar…
As mulheres, mais sensíveis, dizem que estão com o coração na boca e passam o dia inteiro chorando. Aí sou obrigado a partir para a realidade: "Enquanto você está chorando, há alguém estudando. A vaga está mais perto dele. O que você não faz, o seu concorrente faz". É duro? É cruel? Claro que é, porém toda competição de alto nível funciona assim.
Quase sempre pergunto: "Você quer passar por tudo isso novamente? Então, o mínimo que você fizer, já é muito". Se tiver que chorar, chore, é normal. Se tiver com o coração na boca, é normal. O único jeito de acabar com isso é se dedicar ou buscar um psicólogo ou um professor de confiança, que possam ajudar.
Costumo brincar, contudo é a mais pura verdade: "há dois tipos de seres humanos – os vestibulandos e os outros… Vestibulando é o único ser que sonha com a aula, levanta para ir à aula, volta da aula, está na aula e conversa sobre a aula, por isso está sempre em crise, com tédio. Nessa idade, passa por uma série de transformações. Ou resolve lidar com elas ou perde para quem conseguir". Nessa hora, o papel da família é crucial, mas sem cobranças de última hora.
Para muitos pais, vestibulando é investimento. Para muitos professores, é depósito de matéria. Para muitas escolas, é depósito de apostilas. Várias escolas, preocupadas com recordes, dão aulas em excesso e não deixam o aluno se informar e estudar. Agora, é hora de parar e descansar.
A Fuvest é domingo às 13h. O fator psicológico pesa muito. O problema da Fuvest é ser Fuvest, porque a USP é o sonho de muita gente. A prova é difícil? Como toda prova é para quem não sabe.
Por Luiz Cláudio Jubilato
É especialista em vestibulares e diretor geral do Criar Língua Portuguesa e Redação.
É proibido proibir
Artigo do professor Luiz Cláudio Jubilato, publicado em seu blog no dia 17/10/2013
Nunca tive ídolos, porque eles têm uma imensa capacidade de trair nossas expectativas. Idolatrar significa, muitas vezes, perder a razão, entregar-se menos de corpo e mais de alma a um ser que pressupomos maior que nós ou pela força, ou pelo talento, ou pelos ideais, ou seja lá pelo que for. Maior e melhor. Ídolos sintetizam nossas fantasias, o que queríamos ser, ter ou fazer. A internet, por exemplo, empurra pela goela abaixo da patuleia cibernética idiotas travestidos de talentos aos borbotões. São os “talentos” de ocasião. Aparecem e desaparecem com a velocidade de um cometa. Não têm uma biografia a defender. Não têm uma “história”.
O capitalismo tem uma imensa capacidade de forjar ídolos, para que sejam vendidos como alfafa para animais. Jimi Hendrix e Janis Joplin, quando se deram conta de que se tornaram objetos de compra e venda, afogaram-se nas drogas e em poças de vômito. Se aparecerem os tais contestadores, como os hippies, não há problema algum, a indústria do entretenimento é antropofágica: atrai, pega, deglute, transforma e caga-os um a um. Viram moda, objetos, cartazes vendidos em lojas de CDs e DVDs. Anti-ídolo é ídolo dos babacas, fábrica de dinheiro.
E o Socialismo? É diferente? De jeito nenhum. Há apenas uma diferença, adora as denominações megalômanas, como: “Guia Genial dos povos”. O discurso parece revolucionário, a propaganda é a grande arma para a suposta revolução, no entanto as prisões são mais sombrias. Possui uma capacidade imensa de iludir e obstruir o pensamento remontando a história. Calar os dissidentes. Destruir-lhes a reputação. Táticas pisadas e repisadas. Fabrica símbolos revolucionários barbudos como fabrica covas aos montes em nome da igualdade dos povos, mas só quem lucra com isso são os membros dos mais altos escalões do partido. Condenam o capitalismo, porém se refestelam nele.
Há as ditaduras capitalistas, socialistas, igualmente corruptas, que têm a imensa capacidade de endeusar o “general” de plantão. A maioria dos contestadores só berram, mas não pegam em armas, deixam a entender que sua arte fala por eles, porém, muitas vezes, ela os trai. A prática não consegue acompanhar o discurso: “Vem, vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe, faz a hora/não espera acontecer”. Criaram o mito em torno de Geraldo Vandré que, supostamente, teria sido torturado pelo DOI-CODI (a polícia política da ditadura), porém, tempos depois, a lenda se desfez. Descobriu-se que ele fugiu para outro país. A história do autor de “Caminhando” não passava de uma fraude.
Caetano Veloso se apropriou da bandeira dos jovens acampados no Quartier Latim, em Nanterre, na França. Em maio de 68, lutavam pela melhoria do ensino, liderados por Daniel “Le Rouge”. Caetano, num discurso raivoso, gritou a plenos pulmões, no FIC (Festival Internacional da canção): “É proibido proibir”. Foi aplaudido de pé pelos que estavam engasgados com o sangue espalhado por todos os cantos pelos militares.
Chico Buarque, segundo a lenda, usou o pseudônimo de “Julinho da Adelaide” para se “safar”da censura. A lenda de que sua música metafórica venceu a truculência de Ernesto Geisel, pois o artista censurado era o ídolo da filha do general, correu as reuniões de todas as organizações clandestinas ou não: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Por causa desse episódio, Chico virou mais um dos paladinos da arte combatendo o canhão. Muitos exilados, que nada fizeram contra o regime militar, viveram agarrados a histórias escabrosas, que não passavam de histórias da carochinha, como a deportação de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Quem não se lembra de “London London”!
Como uma ora hora ou outra, a verdade esfarela o mito, o cordeiro que uivava como lobo não passava de um cordeirinho. Debaixo do casco duro surgia a feiosa e molenga tartaruga, para continuar vivendo e ganhando com a lenda, os censurados se transformaram em censores: qualquer biografia não autorizada não será admitida, isto é, será proibida. O que é isso? Deve ser coisa de torturadores descobertos pela comitê da verdade mentirosa. Será que o grande problema está no fato de que a biografia pode destruir o biografado: ao invés da lenda poderá viver numa tenda.