Arriscar e riscar
Dizem que a primeira frase de um texto é sempre a mais difícil. E embora ela já tenha ficado para trás, continuo com a sensação de que as próximas frases serão igualmente difíceis, pois o assunto que tratarei aqui é muito delicado e de certa forma assustador para inúmeros alunos: escrever.
As pessoas, comumente, pensam que para escrever bem é preciso sentar na carteira ou deitar no sofá e ficar olhando para aquele pedaço de papel branco, ou para o teto, igualmente branco e irritante e esperar a inspiração divina. De vez em quando, arriscar escrever uma palavra que, inevitavelmente, parecerá ridícula, mas que só será riscada após muitos minutos de contemplação e dúvida.
Diante do papel branco, ainda que com palavras nele escritas, o sentimento de incapacidade e frustração vem à tona e o mito de que para escrever bem é preciso ter inspiração nunca parecerá tão real e verdadeiro e, obviamente: inalcançável.
Menciono a inspiração porque muitos alunos são acreditam que eles, conscientemente, são incapazes de escrever bons textos. Contudo, é no mínimo ingênuo pensar dessa maneira, visto que bons textos são feitos por aqueles que conscientemente buscam a melhor forma de dizer algo, por aqueles que se importam em responder aos discursos, por aqueles que sentem a necessidade de confrontar quando todos querem que algo se silencie.
Bons textos, definitivamente, não surgem de inspiração, mas de um trabalho que não sufoca a curiosidade e a capacidade responsiva dos estudantes, um trabalho em que as ferramentas usadas são argumentos, palavras, técnicas. Sim, escrever é realmente assustador, mas só para quem o branco não é apenas do papel e sim o da mente.
Rubia Alves
Sorria: tem alguém gozando da sua cara
Haveria um louco se pendurando na altura de postes com uma câmera na mão, em plena luz do dia, filmando decotes de jovens e “cenas” de namoro na praça, ou seriam apenas os guardas de segurança monitorando as partes íntimas das mulheres? Nada ainda foi comprovado, embora o secretário municipal de Segurança de Araraquara tenha preferido afastar-se de seu cargo um dia após ser divulgado o vídeo mostrando o olhar de guardas civismunicipais que dão “aquela espiadinha”, de algumas horas, com close, nas partes íntimas de mulheres…
As câmeras de monitoramento se tornaram, há um bom tempo, não uma opção, mas um fato concreto do nosso cotidiano; temos a crença moderna de que a tecnologia será capaz de garantir a segurança e não nos importamos em sermos vigiados o tempo todo em shoppings, ruas, praças, supermercados… afinal de contas, isso é para a nossa proteção e já estamos acostumados. No entanto, quando mais um escândalo envolvendo a “necessidade” de câmeras vem à tona, e vídeos são gravados com o dinheiro público para, além de não ajudar a identificar algum possível ato ilícito, expõe as pessoas; é preciso re-pensar essa necessidade.
Quando alguém convence você de que as câmeras de vigilância irão de fato proteger as pessoas, esse alguém só pode estar gozando da sua cara; afinal de contas, construir ambientes seguros vai além do investimento em tecnologia, é preciso investir em “conhecimento, proximidade, relacionamento”, como afirma Francisco Klause, especialista em câmeras de vigilância. Há uma indústria altamente lucrativa que vem sendo construída em alicerces do medo e da insegurança, mas como é possível se sentir mais seguro com algo que é monitorado por pessoas cuja envergadura moral é questionável? Por pessoas machistas? Por pessoas abusivas? Por pessoas que veem você e você não pode ver?
Rubia Alves
A carne mais barata do mercado ainda é a carne negra
A imagem de uma pessoa negra, presa num pelourinho, exposta ao escárnio do povo e punida por mãos de brancos no tempo da escravidão não choca. Em tempos de preconceitos e arbitrariedades essa cena não choca. Não choca porque a escravidão negra é considerada justificável. Não choca porque grandes senhores disseram que isso é certo. Não choca porque as fazendas precisam de mão de obra gratuita.
Mas e a imagem de uma pessoa negra, desnuda, presa num pelourinho improvisado, exposta ao escárnio e punida por mãos de brancos em tempos não mais de escravidão, em tempos em que o discurso da liberdade, da igualdade e da intolerância ao racismo já foram “consolidados”? Choca? Não choca. E não choca porque espancar um negro que está preso a um poste é tão normal quanto atear fogo em um índio, agredir empregadas domésticas e dar pauladas em homossexuais.
Até quando as pessoas vão continuar agindo de maneira tão absurdamente patética e até quando pessoas que estão na mídia, como a grandiosíssima Raquel Sheherazade, vão continuar apoiando pessoas cheias de energia, não para trabalhar, estudar ou fazer algo de útil (claro), mas para participar de espancamentos no meio da madrugada? Até quando o projeto racista e violento, vigente atualmente, vai continuar dirigindo o Brasil? Quando é que esses tais “vingadores” vão serão enxergados como violadores? Bem… a resposta a essas perguntas talvez, talvez… incomode.
O fato, como bem disse Hélio Santos, é que “hoje, no Rio, se fala em violência, são 400 favelas, o Rio em si já contém essa violência, agora a violência vem atingindo algumas pessoas, mas não há nada mais violento do que o Rio sempre foi, foi a maior cidade escravista do século XIX, a metade da população era escravizada, queria que viesse o que depois? Um paraíso? Uma Estocolmo? Nós temos o que nós plantamos”.
E o que plantamos durante dois séculos de desigualdade e violência não pode ser tratado como trataram o jovem de 15 anos, neste começo de fevereiro, no Rio de Janeiro. O ódio generalizado por um tipo social ou o medo ou a vontade de “justiça” devem ser contidos. Como mostra a história, grupos organizados que se sentem no direito de violar os direitos humanos, que se sentem no direito de julgar algo que cabe à Justiça, só geram mais violência, mais insegurança, mais terror e mais choques.
Rubia Alves