GATO POR LEBRE
Prof.: Luiz Cláudio Jubilato – professor e diretor do Criar – 26/04/2014)
Já escrevi centenas de artigos espinafrando o EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO. Nunca o fiz por pirraça, fui contra desde o início. Sempre apresentei argumentos e evidências para defender meus pontos de vista. Lógico que podem ser contestados, não me importo, mas, por favor, com argumentos, não com "achismos". Meus argumentos refletem exatamente o que penso desde 1998. A cada ano, o INEP, com seus números estarrecedores e sucessivas trapalhadas, me municia ainda mais.
Depois de um debate com dois professores e depois de saber que a Universidade de Coimbra aceitará as notas do ENEM para o ingresso de alunos brasileiros nos seus cursos, resolvi não mais argumentar, mas propor algumas reflexões:
1. O PSDB criou o ENEM, com a escancarada desculpa de traçar o perfil do ensino do segundo grau no país. Por que escondeu, na época, que era uma exigência do FMI, para emprestar mais dinheiro ao país?
2. Nos primeiros anos, o ENEM não houve adesão das escolas, afinal era opcional e todo mundo queria esconder suas falhas. Foi por isso, então, que o MEC passou a usá-lo como porta de entrada para algumas universidades públicas? Lembro que a maioria esmagadora das universidades públicas não aderiu.
3. As duas primeiras edições do ENEM imitavam o PISA (programa internacional de avaliação de alunos), portanto propunham uma prova de raciocínio lógico. Por que mudou? Depois dos dois primeiros anos, virou uma prova "conteudista". Por quê?
4. As provas iniciais do ENEM vinham com 63 testes e uma prova de redação para serem resolvidos em 4h. Não há falta de critério ao passarem as provas para 90 testes e uma prova de redação serem resolvidas em 5:30h num domingo? No sábado, ele teve de resolver 90 testes, em 4:30h. Um candidato tem, em média, 2 minutos para resolver uma questão. Dá para medir o conhecimento de alguém nessas condições? Aluno virou maratonista?
5. Você crê que o ENEM substituirá os vestibulares devido ao nível de excelência das provas? Por que as universidades públicas não queriam aderir, mas as rebeldes foram "obrigadas" a aderir? Por que muitas delas fazem seu próprio vestibular no meio do ano, ao invés de preencherem as vagas oferecidas usando os alunos remanescentes do SISU?
6. A propaganda é eleitoreira: o filho de um pobre fará prova para várias universidades públicas usando uma única inscrição. O filho de uma pessoa de baixa renda, advindo de uma escola pública, poderá disputar, em igualdade de condições, com o de família rica, advindo de uma escola particular. O ENEM não virou um outro vestibular? E pior, ainda mais cruel, porque, na verdade, é mais competitivo e ilusório?
7. Uma prova nacional, num país repleto de distorções educacionais tão evidentes, realmente avalia a qualidade do ensino do segundo grau no país? O aluno advindo de uma escola rural, por exemplo, realmente tem as mesmas chances que as de um aluno que estuda por apostilas atualizadas, faz cursos preparatórios exclusivos para o ENEM?
8. Se o ENEM é feito para pessoas de baixa renda, qual o motivo que leva o INEP a escalar um jovem para fazer as provas (são dois dias) a 100/200 quilômetros da cidade onde reside?
9. Se um aluno de baixa renda passa na Universidade Federal do Acre, como ele se sustentará lá? O FIES pode ajudá-lo? Num país que não cresce economicamente, como ele conseguirá um emprego para pagar?O ENEM não foi reformulado pelo PT para ser democrático?
10. Como é feito o processo de seleção dos corretores das provas de redação do ENEM? Você crê que professores de regiões tão diferentes, com formações tão díspares, corrigirão os textos, por computador, usando critérios semelhantes, mesmo depois de um treinamento? Esses treinamentos não são muito precários?
11. O ENEM é confiável, mesmo depois de tantos escândalos e atrapalhadas?
12. O ENEM melhorou a qualidade do vestibular como um todo? Não é mais uma daquela mudanças que vêm de cima para baixo? As escolas, ao invés de ensinarem, não estão adestrando o aluno para fazerem as provas do ENEM?
NÃO AGUENTO MAIS
(O BOCA DO INFERNO – 21/04/2014)
1. Gente choramingando nos meus ouvidos. Todos bradam contra a corrupção, mas só latem, não mordem ninguém. Todos arrumam todo tipo de desculpa para votar nulo ou em branco nas próximas eleições, como se morássemos na Suíça e o ritual do "lavar as mãos" os absolvesse de levar porrada quando as coisas ficarem "pretas". Como, ao longo do mandato do ocupante do Planalto, continuarão sua cruzada de berros contra os corruptos, alegarão que não têm nada a ver com isso, afinal, se entrou no deles, a culpa é do povo que não sabe votar.
2. Ouvir essa burrice de que o POVO não sabe votar. Quem se vale dessa falácia, não faz parte do povo? Tornou-se, por sua conta e risco, ET? Mudou-se para outro planeta? Ou é tão sábio, tão puro que transformou o povo numa "entidade sobrenatural" da qual, com sua soberba, não faz parte, nem quer fazer? Ou a culpa é sempre do outro? Ou não tolero a corrupção dos outros, só dou um "jeitinho" na minha?
3. Esse blablatter de que faremos a melhor Copa do Mundo da história. História de quem, cara pálida? Que a culpa desse desastre do superfaturamento dos estádios é do governo. Tudo bem, é. Mas, onde estávamos quando o Brasil se candidatou e ganhou o direito de fazer essa copa? Aplaudindo, tomando cerveja no boteco, calçando as chuteiras da pátria de chuteiras? Quer dizer que vamos às compras sem levar o dinheiro ou sem ter a mínima ideia de quanto vamos gastar?
4. Essa balela: "no meu tempo era muito, melhor". Tinha(SIC) o MOBRAL, o povo vivia melhor, o Brasil progredia e, melhor ainda, os militares salvaram nossa pátria do comunismo. Legal, mas me dê um exemplo, um exemplozinho sequer, de um país realmente comunista? E me respondam, por favor: por que os milicos pularam do barco, só quando a inflação bateu na casa dos 200%? O comandante não deve permanecer no navio e ser o último a pular, quando o navio vai a pique?
5. Esse papo furado de que a juventude de hoje é extremamente alienada. Quando eu era jovem, ouvia a mesma coisa. É mesmo? Ela não lê nada? E quem lê? Num país de dimensões continentais, durante muito tempo, a revista Caras foi recordista de vendas. A tiragem da Folha de S. Paulo, da Veja, do Estadão, de o Globo, da ISTOÉ… é ridícula, se comparada ao tamanho da população. Quer fizer que só os jovens fazem parte dessa "massa de alienados"?
6. Pagar, por um carro, mais que o dobro do que ele custa em outro país, muito menos levá-lo para fazer a revisão programada. Você já passou por isso, o preço programado jamais chega perto do preço programado, porque o mecânico precisou trocar a rebimboca da parafuseta e esse troço, pelo qual terei de esperar 15 dias úteis, para eles; inúteis, para mim, custa caro pra cacete. Pior, o carro sai com defeitos que não apresentava antes da revisão. Vendem-nos um carro quase inteiro e o outro a prestação. Compensam as poucas vendas, estuprando-nos na oficina.
7. Ver absurdos, como esse, acontecerem: comprei um Citroem. Num desses dias de calor infernal, típicos de Ribeirão, o painel do Gran Picasso começou a entortar. Levei-o à concessionária. Sabe o que o chefe da oficina me disse? Não ria, nem se mate, se você tem um. Acho bom você mudar de país. Sabe o que ele me disse? Esse carro foi construído na França e não foi adaptado para o nosso país. Não sei se rio, choro, relincho ou dou um um murro no tal sujeito. Para completar, a concessionária não sabe como consertar. É mole?
8. Saber de coisas sem noção como esta: Uma pessoa, que trabalha comigo há vinte anos e não é mentirosa, disse-me que comprou uma geladeira que já veio de fábrica com defeito. Voltou à loja para trocar por uma sem defeitos. O gerente da loja simplesmente lhe disse que mandaria um técnico para consertar. Mas, ela pagou por uma nova. Não aceitaram a devolução. Brandiram o Estatuto do Consumidor. Quer dizer que você paga por uma coisa nova, leva defeituosa e ainda é obrigado a aceitar algo com defeito, porque a fábrica não erra, só nós os "burros" consumidores?
9. A forma como somos passados para trás pelas tais "Leis de mercado". Entramos na loja para comprar um sapato, por exemplo. A pobre coitada da vendedora ouve todo tipo de argumento, mas pode dar apenas 10% de descontos. Passado o Natal, por exemplo, a liquidação avisa:50% de descontos, até em outdoors. Mesmo assim, se não vendeu, serão 70% de descontos anunciados na televisão. Entenderam a matemática da exploração? Daqui a pouco nos pagam para levar o produto. Resultado: ninguém compra nada no Natal. Deixa pra comprar na semana seguinte. Lei de mercado? É. Lei de mercado.
10. Ter de aceitar que um técnico vá até a minha casa consertar o ar condicionado, depois de dois meses de promessas e "bolos" sucessivos, e cobrar 50 reais por uma visita que dura não mais que 15 minutos. A conclusão, depois de um sorriso e um tapinha nas costas, é a de que temos de levar para a oficina. Não dá pra resolver ali. Dois três meses depois, avisa que está quase pronto. Mais 15 dias de espera, finalmente chega o tão amado ar com o mesmo problema: "Não encontramos nada, doutor". Nunca conheci um professor que ganhe 50 reais por 15 minutos de trabalho e ainda não dar conta do recado.
ESTUDEI TANTO PARA EMBURRECER. SÓ FALTA RELINCHAR. DEPOIS DESSE TEXTO, NÃO FALTA MAIS.
O LIVRO: ESSE SER ESTRANHO
(Prof.: LUIZ CLÁUDIO JUBILATO)
LIVROS vivem quase sempre exprimidos em estantes. Às vezes lado a lado, às vezes frente a frente, às vezes em cima uns dos outros. Lembram meu tempo de faculdade, naqueles ônibus entupidos, como se cada pessoa pisasse nos pés das outras, na subida para a UFJF.
LIVROS podem ficar empilhados, seres mortos sobre uma mesa, como se estivessem num cemitério. Na biblioteca central, a senhora de óculos de fundo de garrafa, voz de veludo, modos de freira. Coveira. Metódica. Colocava-os dispostos nas gavetas: os maiores na estante de cima, os generais; os médios, nas do meio, infantaria; os pequenos nas de baixo, soldados rasos. Todos têm seus nomes impressos nas capas, uma espécie de crachá. Os símbolos das editoras, no alto, voltados para fora. Parecem guerreiros recebendo condecorações.
LIVROS criam seres compulsivos. Há os que adoram cheirá-los. Nas megastores, o cheiro é do banho de sabonete; nos sebos, é o de quem, há muito, não se banha. Nas livrarias são jovens craques, com sua pompa e suas camisas novinhas esperando o contato com uma nova agremiação. Nos sebos, têm odor de coisa velha. Megastores parecem clubes. Sebos parecem asilos. Em livrarias são cobiçados. Em sebos esperam ser resgatados por um geriatra que remende suas capas e desamasse suas páginas.
Livros têm origem, família, identidade. Algum dominador/a, iludido/a, ilusionista os gerou. É o único que pode ter vários pais e nenhuma mãe; uma mãe sem jamais ter tido um pai. Sua alma fica exposta, suas vísceras arreganhadas em folhas. Precisa ser devassada, entendida, experimentada por um sujeito esquisito, que atende pela alcunha de leitor. Cada linha traz seu corpo coberto por fantasias. Cada parágrafo, uma alegoria. Cada capítulo, um labirinto. Cada clímax, um êxtase. Ninguém sai desse êxtase como entrou.
LIVROS são seres estranhos. Atiçam cheiros, sem tê-los. Veem ambientes onde eles estão, mas não estão. Há dentro deles caras e corpos amontoados, escalonados, divididos por classes, destinos e vidas e mortes que se enlaçam, entrelaçam. Há os principais, da primeira classe, que não escravizam os da segunda, nem pisam os da terceira… ou não…
LIVROS desafiam, mas não há como desafia-los. Têm donos, mas não são de ninguém. Nem da mão que os comprou, nem do ventre que os gerou. Nem de quem acha que os possui. Nem de quem simplesmente os adotou.
LIVROS podem ser amados, odiados, carregados, amassados, disputados… mudam, transmutam, bagunçam, provocam… mudam o mundo.