ESTE TEXTO VOCÊS VÃO ODIAR

(O BOCA DO INFERNO – 19/5/14)

 

“Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, os portugueses tinham descoberto a felicidade”. José Oswald de Andrade.

 

Nestas praias paradisíacas, de um céu azul anil, desembarcaram piratas bêbados, doentes, famintos para nos acorrentar, estuprar nossas mulheres, roubar nosso Pau Brasil. Nesse tempo, usávamos ervas para curar nossas feridas, não fazíamos a menor ideia de como empunhar um fuzil. Logo depois, desembarcou por aqui um homem com roupas esquisitas, um sobrenome deveras curioso, hábitos estranhos: um tal de Sardinha. Quase morreu afogado. Para um povo antropófago, acostumado a comer peixes enrolados em folhas de bananeiras, não houve problema algum. O mar deixou esse petisco muito bem temperado. Foi deglutido com mandioca e cebola, em fogo baixo, bem assado.

Logo depois do pescado e assado Sardinha, deram, com os cornos no nosso paraíso, um povo vestido de preto trazendo nos ombros uma coisa maldita, que chicoteava e matava em nome de Deus: a tal da Inquisição. Vestiam-se como corvos, caçavam nativos com uma mão na espada e a outra na cruz. Usavam também a chibata ou cutucavam os corpos feridos com um tição. Os que eles chamavam de índios ou se convertiam ou viveriam, para sempre, sem ver a luz. Pusemos  para correr, à custa de muitas vidas inocentes, esses urubus. Depois dessa fuga, índios, negros, mestiços, voltaram a andar nus.

Depois pularam em cima de nós os piratas franceses. Vinham carregados da ilusão de também nos embebedar, para nos amarrar, dominar, estuprar. Expulsamos, com nossos tacapes, aqueles frufrus fedorentos. Lutamos, obrigados, ao lado de um tal Estácio de Sá, mais tarde, também o pusemos para correr com tanto medo até se cagar. Não gostamos nem um pouquinho dos seus intentos. O safado fugiu para as terras de além mar. Só ouvíamos o barulho dos portugueses entrando em canoas, como ouvíamos os seus lamentos. Os holandeses empurrados por uma tal Cia. das Índias Ocidentais quiseram a cana de açúcar, ouro branco, que plantávamos em Pernambuco. Tanto eles, quantos os franceses foram expulsos por índios e negros, mestiços, enfim brasileiros, na ponta de um trabuco.

Mandamos embora um imperador português para assaltar um Portugal decadente. Em seguida, devolvemos para a Europa outro imperador. Esse, porém, era mais decente, diferente. Amava o Brasil. Mas, quem não ama, exceto o brasileiro demente? O velho foi embora, deixando o produto do roubo, como se fosse um favor. Imigrantes chegaram de todo lugar, atrás de um país de braço abertos para se entregar a um povo salvador. Cultivaram a terra dos coronéis como escravos, comendo os restos de comida, como porcos, curtiram sua esperança com a dor. Depois de muita porrada, encheram a boca um sorriso próspero, mas irônico. Misturaram-se tanto aos brasileiros, até inventaram juntos uma nova língua, o “português macarrônico”.

Passamos pelas mãos de cruéis dominadores. Povos “achados”, como o nosso, sem pai, cuja mãe é uma caravela, não escapam das armas, armações, roubos, corrupção, submissão, carregaram na pele, no suor, nas fezes, os seus fedores. Ao contrário do que se conta nos livros de história, somos lutadores. Batemos na cara deles, com gana suficiente para registrarmos cada um dos nossos atos na memória. E por que, então, não temos memória? Porque, povos descobertos, aprendem a esquecer a  barbárie. Interessa ao dominador que nos sentamos tolos, toscos, burros, esquecemos o que é morder, nos impingem a ideia de que nossos dentes estão cheios de cáries. É fácil imitar como papagaio,  implicitamente isso interessa a alguém. O difícil é lutar para não se sentir um Zé Ninguém. Lindo é adorar uma beleza imposta. Feio é se curar do complexo de se sentir uma ferida exposta.

 

(CONTINUA)

 quinta-feira, 22 de maio de 2014

VERGONHA DE UM PAÍS SEM VERGONHA?

(O BOCA DO INFERNO – 17/5/14)

Assisto a cada dia mais e mais manifestações contra os gastos do governo com a Copa do Mundo, também às sucessivas quebradeiras. Além de pagarmos, sem a mínima vontade, mas obrigados, a eleição da Dilma, já estamos pagando a destruição do patrimônio público. Quanta inteligência! Isto fora o rombo da Petrobrás, da Eletrobrás e de todos os Brás que aparecem nos nossos impostos, porém nem queremos saber.
Os europeus, cansados de conhecer nossa burrice crônica e o nosso complexo de inferioridade, nem quiseram saber das Olimpíadas, plantaram o abacaxi aqui. Salivaram, pois viriam mais uma vez roubar, agora montados em aviões, o nosso ouro e também usufruir das nossas putas. Para eles, continuamos a ser um bando de botocudos. Blatter (que significa bexiga, o órgão, segundo meu amigo Rodrigo) e seu assecla, Walcke, sinônimos de idoneidade moral, nós tratam assim.
Como estamos sempre enfiados nos últimos lugares do PISA (Programa internacional de avaliação de Alunos), sabem da nossa indolência e incompetência para com os estudos. Olhamos se temos como pagar as prestações das quinquilharias, com as quais nos empanturram, mas não entendemos nada sobre juros, nem nos preocupamos com o valor final. Reclamamos da falta de escolas, porém, quando as construímos, sequer passamos perto delas (vide o nosso ex-presidente e garoto propaganda). Escolas, hospitais, desenvolvimento, pra quê? Que comam a merda que, generosamente, lhes damos, pensam os reis.
A mim me parecem despropositadas nesse momento essas manifestações. Onde estavam esses manifestantes quando Lula ofereceu nosso ânus como prêmio naquele clip, sem vergonha, que reforçava todos os estereótipos impingidos a nós a partir dos dizeres daquela maldita carta de Caminha? Os lobos salivaram diante da possibilidade de roubarem “mais uma vez” o nosso ouro e usufruírem das nossas putas. Somos um país sem vergonha, com mania de grandeza. Até hoje andamos pelados.
Naquele momento, emocionados, todos provavelmente pulávamos, como nas vitórias de Aírton Senna, quando, iludidos por um esquema muito bem armado, para atrair incautos, nos venderam, tal como agora, a história torta de que entramos no mundo “civilizado?” pela porta da frente.
Será que ninguém teve o mínimo bom senso de pegar uma calculadora e pensar que o pai da noiva dá a festa, mas toda festa tem um custo, fora a esperteza do Buffet? E do convidado que sorrateiramente leva escondido na bolsa o bem casado? Num mundo em crise, a balela do país atrativo para investimentos de toda ordem, colocou. Compramos a ideia, agora estamos “pelados, pelados, nus com a mão no bolso…uh!uh!uh!”.
“Ah! ” Esse Brasil, brasileiro”, “do mulato inzoneiro/ vou cantar-te nos meus versos!”. Observe como nos vendemos? Que esperteza! Até agora os curinthianos creem que o Itaquerão é deles! Se até o Lula pulou fora, alguma coisa está muito, mas muito, errada. Observem: os ingleses construíram toda a estrutura da Olimpíada de Londres, com menos do que o preço de um estádio no Brasil. Mas, eles sabem fazer contas, não fugiram da escola, sabem como os juros destroem uma economia, uma nação.
Esse é o país que faz questão de não ver o óbvio: “Ah! Esse coqueiro que dá coco…”. Por que as obras das Olimpíadas estão atrasadas? Porque, quando há regime de urgência, para uma obra relevante, não há concorrência e os apaniguados põem no negócio o preço que quiserem. Por isso, nos deixam apavorados com o papo furado de que levariam as Olimpíadas para Londres. Pura conversa de salão de beleza.
Vendem-nos o óbvio, mas encaramos como obra prima, maravilha das maravilhas, nem lembramos dos que morreram no Itaquerão, até que caimos da cama para descobrirmos que o filme , “O Náufrago”, ganhou o Oscar, mas não há naufrágio nele. Parece gozação, mas não é: O Brasil sediará as Olimpíadas e vai nos levar aos píncaros do abismo.
Não tenho vergonha dos estádios inacabados, da falta de estrutura dos entornos. Todo mundo sabe que fazemos as coisas sem planejamento, que aqui é uma bagunça. Que a copa seria assim. Este é uma país sem vergonha. Os europeus vieram para cá por causa disso. Assaltam e fogem, porque sabem onde está o cofre e quem toma conta, quem é subornável, mas sabem também que ele não tem vergonha de posar de estadista, mesmo com a bunda de fora.

 segunda-feira, 19 de maio de 2014

MACHADO ESTÁ MORTO

(Prof.: LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 11/5/24)
Estive pensando. E olha que pensar é um luxo nesses tempos tecnocratas e burocráticos. O motivo dos meus pensamentos é o possível assassinato de Machado de Assis. Mas, ele já não está morto? Perguntariam os menos afeitos ao estudo literário. Mas ele não está morto desde 1908? Diriam os donos do óbvio. Como é possível matar alguém que insiste em não morrer? Observando os estudiosos que esquartejaram sua obra, para melhorar extrair-lhe as vísceras, há a possibilidade de que partes de sua mente perspicaz esteja insepulta em inúmeros caixões. Abre-se um livro, uma delas emerge das tumbas vestida de smoking para se digladiar com um leitor de biquíni ou de bermuda ou de dry fith ou estivador de apostilas… São leitores desnutridos de vocabulário, conhecimento, experiência, imaginação ou coisa assim, dizem os entendidos.

Não é tão fácil para os “entendidos”, então, perceber que Machado de Assis, vulgo Bruxo do Cosme Velho, primeiro presidente da Academia de Letras, sepultado como imortal, na verdade, está morto para os internautas, “dadores” de aulas nos cursinhos, “fazedores” de resumos que insistem em mantê-lo sem brilho, sem vigor, sem “alegria”.

Aí, vem uma sacrílega escritorazinha, com ares de exorcista, para ressuscitá-lo, arrancando Machado de Assis das prateleiras das livrarias, das bibliotecas, das teses de mestrado, da arrogância da “inteligência” dos intelectuais, das famigeradas listas de livros dos vestibulares, das provas do ensino médio e fundamental para entregá-lo a um bombeiro, a um eletricista, a um aluno desnudo de vocabulário e/ou conhecimento… de uma escola pública, de um lugar qualquer.

Os exterminadores do Machado de smoking, em questão, é a escritora Patrícia Secco e uma equipe jornalistas. Pretendem simplificar o que chamam de “dialeto machadiano”, pois o Bruxo do Cosme Velho tornou-se hermético ao extremo para ser decifrado pelos leitores de Facebook e, quando muito, de livros, se é que podemos chamar assim, de autoajuda e de best seller. “Os livros dele [Machado de Assis] têm cinco ou seis palavras que [os jovens] não entendem por frase. As construções são muito longas. Eu simplifico isso”, afirma Patrícia, sem qualquer pudor. Heresia.

Os puristas afirmam que os tradutores de obras de muitos grandes e/ou pequenos autores, acabam desvirtuando-os, porque se tornam coautores ou até donos das obras ou até assassinos desses autores. Não creio que Patrícia tenha essa pretensão. O bom mesmo é ler o livro “no original”. Certo? O bom mesmo é ler Machado no original. Mas, quem lê livros, num país onde o cidadão “comum” sequer lê bula de remédio ou manual de instruções de seja lá o que for?

Machado divertia-se com o realismo “colorido” de Manuel Antônio de Almeida (Memória de um sargento de milícias), cuja linguagem remontava aos subúrbios cariocas, onde vivia o “homem comum”. O Velho Machado não tinha qualquer pudor em falar dessa admiração. Se o homem suburbano podia entender Manoel, porque não a ele? Depois, apoiou Lima Barreto que seguia a mesma trilha. Machado era desprovido do pudor que agora se reverte contra a sua obra. Vivia no século XXI.

É verdade que a literatura vai muito além do mero linguajar, contudo Shakespeare não deixou de ser Shakespeare, porque foi traduzido para o Cinema, nem Eça deixou de ser Eça, porque virou minissérie de tevê. A essência de suas obras continua lá, a não ser que Patrícia e seu “grupo terrorista” pretendam desmascarar de vez a suposta adúltera Capitu ou nos entregar, de bandeja, o sentimento ambíguo que Bentinho nutria pelo amigo Escobar, cujo corpo tão bem traduzia, em palavras, de tanto observar.

De tanto olhar para um único lugar, críticos tendem a cultivar verdades absolutas ou sofrer do mal da soberba. Lima Barreto, destruído pela pseudo-intelectualidade de sua época, devido a sua linguagem despojada, não pode ser entendido, hoje, sem um dicionário. Graciliano, o grande Graciliano, abusado no uso do falar do homem animal nordestino, só pode ser entendido e, mal entendido, quando um paciente leitor manipula, sem nenhum temor, um dicionário.

Machado de Assis escreveu uma obra “atemporal”, “universal”, mas, de que adianta toda essa genialidade, se não pode ser vestida, captada, entendida para ser amada. O Bruxo está literal e literariamente morto para as novas gerações, queiramos ou não, inclusive para os candidatos ao curso de letras nas universidades que preferem os resumos ao original.

Segundo o próprio Bruxo do Cosme Velho, para que o crítico julgue uma obra, “cumpre-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para aquela produção. Assim espero que Patrícia Secco aja ao se propor a mexer e remexer na linguagem machadiana, sem mexer na essência de sua obra.

Uma versão “traduzida” de “O Alienista” será lançada em junho. As frases virão em uma ordem mais direta. Segundo Débora, “a ideia não é mudar o que ele disse, só tornar mais fácil”. 600 mil exemplares de “O Alienista” serão distribuídos gratuitamente pelo Instituto Brasil Leitor.

Louvo sempre qualquer iniciativa para fazer o livro chegar às mãos do leitor. No entanto, escrevo este texto, como todos os que se dignaram a criticar a iniciativa, no escuro. Sempre, nesses casos, prefiro esperar para ver. Se essa for uma maneira de ressuscitar as “Memórias Póstumas” do nosso maior autor, aplausos. O próprio Machado tomaria atitude semelhante, esperaria, pois alguns dos seus detratores disseram e ainda dizem o que ele nunca disse; que ele sofria influência de autores que ele sequer lera. Espero para ver a reação da crítica quando autores clássicos forem submetido ao “internetês”.

 segunda-feira, 12 de maio de 2014