APESAR DA COPA I
(O BOCA DO INFERNO – 27:5/2013)
AINDA DÁ PRA VOCÊ ODIAR ESSE TEXTO
PT or not PT, that is the question. (piada tão infame quanto esse partido partido)
Machado de Assis foi freudiano. Na verdade, Freud é que foi machadiano. E Freud morreu sem saber. Machado também. Clarice Lispector era existencialista, antes de Sartre destilar suas teorias. E Sartre e Clarice, por sorte ou azar de ambos, não se encontraram. Ela morreu acreditando ser existencialista. Ele, não, foi procurar outro lugar. O Brasil é o interventor do Bina: criou, mas não levou. Os grandes conglomerados deitaram de terno, rolaram de smoking, enquanto quem inventa, nunca recebe o crédito. Ingleses, franceses, alemães, americanos, espanhóis, italianos, dentre outros povos libertadores, justiceiros, defensores da moral e dos bons costumes, nos atiram bananas, para nos colocar no nosso devido lugar: macacos. Macacos, apenas usamos raichstag contra eles, como se, com essa arminha, eles fossem se importar: são eles os donos da opinião. Somos submissos a tal ponto que inventamos ou reinventamos o mundinho caquético deles, contudo, quando chegam a nossa casa, cedemos a eles o nosso lugar. O Brasil é o que eles inventaram, mas nunca aprendeu a se reinventar.
Os nativos, por exemplo, deveriam reclamar direitos autorais do antropólogo Claude Levi-Strauss, porque, sem ter noção de servirem como matéria prima para que ele vomitasse suas teorias soturnas em “Tristes Trópicos”. O povo endiabrado, pelado, livre, solto, sem regras, leis, normas, nada engessado como os franceses sebentos. O Brasil é o tormento, a malária, a dengue, a prostituição, a cafetinagem, a sujeira, o escarro. Não aprendemos a vê-lo assim? Tristes trópicos trôpegos. O Brasil é o ator coadjuvante, serve exclusivamente para servir de escada para o ator principal. Grita. Ri. Geme debaixo do corpo mal cheiroso do conquistador. Cede. Dá. Empresta. Ninguém se lembra mais dele um segundo depois, como não se lembra do baixista de uma banda de rock. O Brazil, como dizem os americanos, é um lugar bom para explorar. O povo reclama, bate no peito, só quando não há algum salário mínimo, uma promessinha ou outra, para subornável-lo. O tesão disso é que o povo adora falar mal de si.
BRASIL EM DECÚBITO DORSAL
(O BOCA DO INFERNO – 18/5/24)
Imagine duas passeatas em frente ao estádio: uma, em êxtase, porque o Brasil ganhou o jogo; a outra, em êxtase, por causa das perdas econômicas e sociais. O pau vai comer com uns acusando os outros de anti-patriotismo.
A família do Cristiano Ronaldo não vem ao Brasil: medo da violência. Platini não vem ao Brasil: medo da violência. Blatter vem para nos estuprar. Walcke vem, porque não há como não vir pra levar o seu quinhão.
Os hotéis de alto luxo estão perdendo turistas para o exotismo das favelas. O faturamento foi pro ralo ou pra coca.
Com o valor gasto em um único estádio, os ingleses construíram a Olimpíada de Londres.
Blatter e Dilma não farão discursos na abertura da Copa com medo de vaias, já ganham vaias o suficiente sem discurso nenhum.
Traficantes dos morros prometeram comemorar os gols do Brasil com tiros para cima. Não nos esqueçamos: tudo o que sobe, desce. Sempre na cabeça de alguém.
Os turistas estão muito preocupados: descobriram que bala perdida, no Rio, tem endereço certo.
O Brasil conseguiu um sucesso inusitado: obrigaram europeus e americanos a elaborarem um arsenal mais criativo de desculpas para não vir aqui para a Copa.
Todo mundo tem medo dos europeus pegarem dengue no Brasil. Imagine se pegarmos sarampo deles. Os africanos nem ligam, nem pra uma, nem pra outra. Na África esse tipo de doença é brinquedo. A doença no continente é muito pior, chama-se fome.
O CORPO QUE HABITAMOS
RÚBIA ALVES
E então, depois de longos dois meses comprando apenas roupinhas amarelas o médico sentenciou: “- É um menino”. Dito isso, ele mais do que conceituou o gênero daquele ser, ele determinou o comportamento e as escolhas dos pais daquele bebê que passou a ser um menino, que passou a ter o quarto azul e a ganhar brinquedos de carrinho ao invés de bonecas. Com apenas uma palavra, os pais já sabiam o que deveriam fazer: educar um menino, não uma criança, educar para que não fosse chamado de marica, para que fosse homem agindo como um, para que não deixasse ninguém bater na cara dele, para não chorar na frente das pessoas e para, pricipalmente, gostar de meninas.
Mas o que o os médicos poderiam ver no ultrassom que iria garantir que aquele bebê fosse um homem ou uma mulher? A resposta, embora pareça óbvia, não é. Pois o que diferencia um homem de uma mulher não é apenas a genitária masculina ou feminina. Um homem, que perde seu pênis devido a um acidente, ou por causa de um câncer ou até mesmo por consequências da diabetes (o que é mais comum do que se imagina), deixa de ser homem? E uma mulher, que decide tomar hormônios e fazer uma cirurgia de gênero, continuará sendo mulher? O corpo determina o que a pessoa é ou já somos capazes de nos libertar dele?
A questão do gênero, não raras vezes confundida com sexualidade, é um assunto que ainda tem várias interrogações e poucas respostas. Ainda considerada uma patologia e há pouco tempo, um crime, a mudança de gênero colocou milhares de trans na clandestinidade e ainda deixa desamparada uma multidão, que é discriminada e agredida (quase sempre da forma mais humilhante possível) por uma sociedade cheia de tabus preocupada em se autoafirmar e pouco interessada na alteridade.
Mas, a intolerância e a falta de compreensão entre os homens causa sérios danos e prejuízos a todos e a qualquer um, como fica evidenciado nos relatos e nos índices exorbitantes de preconceito em relação ao gênero e à sexualidade. E não é preciso ser necessariamente um transgênero ou um homossexual para ser vítima, sim, vítima, dessa violência, basta ser confundido com um, como foi o caso dos irmãos gêmeos, José Leandro da Silva e José Leonardo, que sairam abraçados depois de uma festa e foram agredidos até um morrer e o outro ser internado. E do pai, 42 anos, que andava de mãos dadas com o filho, 18 anos, e perdeu parte da orelha direita depois de ser agredido por dois homens homofóbicos.
A ciência médica pode considerar o transgênero um doente, mas são os transgêneros que sofrem com o preconceito doentio de uma sociedade que os expulsa direta ou indiretamente das escolas, que os coloca em subempregos e que não sabe cuidar, ou melhor, lidar, com pessoas que apresentam uma riqueza e determinação enorme. E essa sociedade, formada por: religiosos fervorosos, machistas, heterossexuais incomodados com homossexuais, etc, é considerada sã, até agora. E até agora porque ainda acreditamos que quando o médico olha no ultrassom e diz é um menino ele está certo, confiamos piamente de que aquele bebê é um menino, e mais do que isso, julgamos necessário criarmos meninos e meninas de formas distintas e quase sempre baseada numa tradição repleta de valores que não são valores e que costuma deixar bem claro quem deve exercer o papel do opressor e quem deve ser o oprimido.
Rubia Alves