HOMÚNCULO
(O BOCA DO INFERNO – qualquer semelhança com seres reais, não é mera coincidência)
A arma de um homenzinho é a caneta, a desmemória proposital é o corretivo ortográfico. O fim da linha é a margem da página e não a desonra em praça pública. Não conhece honra. Nunca conheceu: “Os inimigos de hoje são os correligionários de amanhã”. A arma de um antropoide é a deshistória, a mentirada descaradamente desmentida. A mentira encarnada, o povo descarnado já a tem, por mais que proteste. A raia miúda rosna, mas não morde, segundo sua desfilosofia. Celebra a ignorância do povaréu: aquele populacho que vende a própria carne por um punhado de promessas infactíveis e, época de pleito.
O povo, o povinho, o povaréu, o populacho, a ralé, a raia miúda, esse ser “estranhamente concreto”, ao qual se refere, como se dele estivesse acima. Insuspeito ser acima de tudo, inclusive do reles seu penteado. Não era povo, nunca foi, esteve sempre à margem daquela coisa fedorenta. Fingia estar sempre apiedado da fome de justiça social. Bradava com a fleuma de Antônio Conselheiro para a patuleia ensandecida que queria apeá-lo do “pudê”. Sabia que grãos de milho contentaria a fome de um dia, então ser esdrúxulo volta para casa esperando a próxima esmola.
Sentia-se um quiromante. Falava em nome desse ser concretamente abstrato, como um crente fala de Deus: aquela intimidade desmedida.
A mulher de curvas sólidas o chamava de benzinho; a filha, cara pálida, o chamava de paizinho; a mãe: uma para ele, outra para os outros, como a de um juiz de futebol, de pluft. O ser por quem falava, o elogiava com palavras não muito elogiosas: golpista! Filho da puta! Safado! E por aí vai.
Como Pluft, sempre se moveu sem ser notado, conhecia os caminhos e descaminhos do poder. O modo mais seguro de consegui-lo, era empurrar o cotonete ao limite do razoável no ouvido do correligionário e depois retirá-lo devagar até que o dito gemesse. Era o seu orgasmo. Sem a cera, outro saberia quem mandava, quem seria o corrompido e o corruptor. Masturbava-se depois. Nunca ninguém o notava, era onipresente, onipotente, onisciente; ora adentrava o ânus de um; ora abocanhava o pênis de outro; ora perpetrava seus desideais no discurso de um; ora empurrava palavras nos ouvidos de outro.
Ele, por baixo dos ralos cabelos brancos, cria no “Benzinho” não muito bem, apesar dos seus bens. Era o máximo que podia suportar da mulher: “benzinho o arrepiava”. Amor desinteressado, iludia-se mergulhado nas rugas que sobraram depois da último aplicação do botox. Gestos calculadamente cronometrados, embonecados. Parecia estar eternamente sentado no colo de um ventríloquo, mas era o contrário. Seu negócio era negociar. E como comprava…! Como vendia…! Como desavergonhadamente se vendia…! Sempre descumpria o que descumprira através dos anos, dos ânus, amém. Era seu próprio deus e a manipulação de sua única religião.
Recebeu vários apelidos: Garção de filmes de terror; Drácula; Pinóquio; Corleone. Mas, gostava de um em especial: Ghost. Sentia-se seu gostwritter. Discursava sobre o tema no qual não acreditava. Discursava um discurso que não era dele entre dentes, mas imposto pelas circunstâncias. Sabia jogar o jogo. Mamando sangue, sabia que o “dele” estava retirando da ponta da linha reta. Devagar, empurrava o outro em direção abismo: sarcasticamente, oferecia o paraquedas e também o veneno, caso o outro preferisse o suicídio, à procuração. Gritava: “Dê-me a procuração. Berrava pra dentro. Esquecia o perdigoto”.
Seus sapatos 35 o levaram muito mais longe do que jamais poderia imaginar: ao seu plano alto, gabava-se, escondido atrás das pilastras e dos vidros pretos da Limosine. Para realizá-lo, propôs-se a ser pernilongo e não raquete, pera e não vidraça, mosquito, mas não merda. Chupou sangue contaminado, até enfraquecer o arrogante incauto. Passadas matemáticas à espera de que raízes, enfim, brotassem sob seus pesinhos de gueixa, mas elas insistiam em continuar sementes. E balançou, sem crer que jamais crer na queda. Sempre esteve indeciso entre o “Outono do patriarca” e “1984”. Não criou raízes, como o patriarca; nem seria o “Grande irmão”, sabia. Mas, quem sabe o pequeno irmão? Ou o irmão adotado pela imbecil arrogante.
Media as palavras, compassava-as com régua, sempre solenes, até quando dizia: “Preciso, deveras, de um penico”. Contido, dardejava palavras, aprisionava os plurais exatamente, jamais duvidava da concordância delas com o sujeito, preferia as palavras proparoxítonas, os superlativos, os verbos no imperativo, as mesóclises, os poemas parnasianos em dodecassílabos (mais perfeitos que a perfeição), amava os sonetos fechados com chave de ouro… Ouro…!
O nariz adunco superava o queixo altivo. Ora parecia águia, ora rato, nunca papagaio. Seus dedos pequenos executavam poemas e pessoas a bordo da tinta preta da caneta ambicionada. Não se podia dizer que vivia escondido nas sombras, a sua era pequena demais para existir. Exímio constitucionalista, traía a constituição, como se trai a mulher desamada, desalmada. Era sua bíblia, mas também seu índex.
Exímio manipulador, acabou encarcerado pela ambição. Esqueceu-se de um de seus princípios básicos: nunca colocar a bunda na janela. Minotauro, acabou “General no seu labirinto”.
Homenzinho, zinho, inho. Não era um monstro como se pode imaginar, já ultrapassara essa barreira. Amava, incondicionalmente, cobras e estrelas. Mas, não amava pessoas, elas eram apenas objetos de decoração.
Não há mais nada a dizer. A história dirá. E se sela o reduzir ao seu tamanho?
Estamos perdidos
(O Boca do Inferno a bordo de uma impressão digital, sentindo-se tosco como um animal, acossado por uma conduta imoral. Essa eleição está dura, dura de amargar, vou arrastado por indecisões em um dedo polegar. A urna, pior que navio negreiro, virou navio tumbeiro)
. Um candidato está preso, acusado de corrupção.
. Seu vice é acusado de enriquecimento ilícito: corrupção.
. Outro é acusado de superfaturar obras do metrô: corrupção.
. Outro candidato é acusado de racismo e sexismo: corrupção.
. Seus vices o abandonaram, nenhum o queria presidente não.
. Todos eles devem à justiça o seu quinhão da corrupção.
. Um é assecla dos bancos, é tarado por privatização.
. Outro é tarado por bancos: privatizou até a privatização.
. A outra é sequer acusada, ainda não foi digna de acusação.
. O outro é boquirroto, acusa de despreparada até a acusação.
. Quem não xinga na internet, mal sabe em quem votar.
. Já o Brasil está parado e sabemos onde vai parar.
. Jajá o Brasil cansado, faminto, atado, não consegue andar.
. Ninguém sabe o que é direita, esquerda, centro esquerda, centro direita, extrema esquerda, extrema direita, centrão: todo mundo está misturado no mesmo caldeirão.
. Zangado, dengosa, mestre, atchim, Soneca, Dunga, Feliz se misturam nessa mesma confusão.
. Todo candidato tem, para nos salvar, a varinha de condão.
. Engraçado, presidente leva porrada de todos os lados, ganha mal, dorme mal, mas isso deve “sê” bom, todo mundo “qué” “sê”. O cãodidato gasta um dinheirão pra se “elegê”. Na verdade, “qué” mesmo é o “pudê” para nos “fudê”, mas isso também deve ser bom. Deve “sê” bom, penetrar por decreto nas nádegas da população.
. Depois de um certo tempo, como todo canastrão, o presidente demente intransigente, inconsequente, maledicente, incompetente desmente tudo depois da eleição. Luta como um doido para não “morrê” agarrado ao “pudê”, alegando que não sabe, não ouve, não vê, até “aparecê” com a cueca suja, em horário pobre, em frente à TV..
. O novo neste pais é tão velho, que voltaremos a andar de tanga, o presidente vai virar pajé, ao invés de comermos arroz com feijão, chuparemos manga e de pé.
. Nossa certeza sempre será a incerteza, afogados que estamos nesta zona total, onde o sonho é ter o capital na capital.
. Alguém já teve a coragem de mostrar ao senhor candidato metido a preocupado com a educação dessa colônia, onde fica mesmo a tal da Amazônia?
. E assim a banda toca numa mesmice inquietante.
. E assim a campanha política vai neste lenga lenga irritante.
COMO FAREMOS PARA MUDAR ISSO
(O BOCA DO INFERNO – NO DIA DA DESRAZÃO)
As coisas não estão encaminhadas, crianças caminham desnorteadas, rotas, desagregadas, sem futuro, nem comunhão.
O mundo nunca foi melhor e nem pior. O mundo tem a idade de cada história. Cada um de nós é a sua própria história.
Não somos apenas roupa rasgada e ideias na cabeça: não somos apenas canções ou bordões. Não precisamos de remendos nem costura. Não somos Frankenstein. Somos o presente. Ignóbil, sorridente, indecente. Somos o presente demente, histérico, imediatista, suicida.
Somos objetos para todo tipo de penduricalhos sim. Somos consumidores consumíveis sim. Somos o objeto do desejo sim. Somos o objeto que deseja sim. Somos o objeto.
Precisamos de mãos, olhos, ouvidos, boca e cérebro. Precisamos da palavra que não computa a dor, que não eleva dor, não acende a dor.
Precisamos mudar esse estado de coisas, esse estado e essas coisas: buracos na nossa percepção, mentiras dentro da nossa percepção, buracos, roubos para a nossa percepção, buracos, buracos e mais buracos e muito fedor. Há bandidos de gravata, tumor, câncer. Cansamos de ser? Cansamos de ter um dedo que ruma estirado, traído rumo à urna, rumo à tumba por quatro anos. Sofremos de Alzheimer político, de miopia politica, Sofremos. Não vamos omissos a bordo de um dedo às urnas? Nem vamos? Todos são o mesmo?
Ninguém nasce para ficar pequeno, nascemos para nos mudar, nos desfrutar, nos encontrar nas passeatas, nas praças, nas ruas, nas esquinas. Nascemos para querer, para pegar, para transformar, senão quem seremos?
Todo mundo nasce para tirar o lombo da chibata, não para presentear, com sua apatia, o feitor. Estamos com o lombo presente. Presente para o torturador. E reclamamos de que? Recusamo-nos a dar um passo à frente. Como sempre. Como nunca. Como quem não come.
O efeito dor está aí, temos que sair debaixo da toga dos desgraçados, dos que nos mandam respirar, calar, murmurar. Dos que querem nos subjugar. Dos que cobram dos outros a ética. Estética da qual sempre lançam mão por mau caratismo, por cacoete.
Como faremos para mudar isso?
É mentira: o nosso sol não brilha, nem brilhará um dia se você não acender a luz do seu quarto, do seu querer, da sua visão, da sua consciência, senão virará animal adestrado, objeto de consumo, produto de marketing..
Suas mãos viram a chave, abrem a porta, acendem a luz, suas ideias, suas utopias, suas epopeias. Suas mãos são suas, mas são guiadas, teleguiadas, armadas: morte do raciocínio, apenas rabiscos, garatujas.
Arme um idiota e ele destrói um mundo, usurpa um pensamento, enclausurada o que o desmascara, finge ser dono da moral e os bons costumes, seja lá o que isso signifique. Não estão nem aí para os seus filhos. Veem coerência nos incoerentes.
Arme um cretino e ele abraça outro fanático, constrói uma seita. Toda seita não aceita o seu contrário, o seu oposto. Simples assim. Lema: matar para justiçar.
Arme um energúmeno e ele mata garotos a esmo na escola. Mata a professora. O alfabeto, o analfabeto, o futuro na sua desrazão, mas reivindica suas razões, sua sde de vingança contra a sociedade, ouvindo vozes, vítimas suspeitas de bulliyng, maus tratos, solidão, pecado.
Ponha uma arma nas mãos de um cidadão de bem (?): se ele segurá-la, fuja. Ele não lhe quer tão bem assim. Mata o que crê inútil, fútil. Mata com sua viseira. Tem certeza nas suas incertezas. Não pensa nos próprios filhos nascendo na violência.
Como faremos para mudar isso?
Precisamos de adubos: precisamos de novas roupas coloridas, urgentemente de novos poemas, novas ideias, novas canções.
Nossos jovens estão monossilábicos, em que gaveta guardam o grito, lhes ensinamos o mutismo. Eles aprenderam rápido. Suicidam-se no silêncio, com silenciador e sua dor.
Nossos jovens sobreviventes preferem a disciplina à revolução, morreu a crença, agoniza o ideal, a fantasia. Cresce a mentira. Eles engolem. Mais fácil. Não há atitude a tomar, é só empacar. Como um jumento diante do córrego.
Como faremos para mudar isso?
É mentira, a ameaça de uma tempestade destruidora. A tempestade já está aqui há muito. A tempestade é a arma: ela afoga, através do discurso torto, da bala perdida com endereço certo, do assassinato do opositor que acha que sabe nadar. Ela afoga a poesia, a mudança. Ela quer destruir o que está, para nos presentear com o passado.
A chuva molha todo mundo, até quem acha que o guarda-chuva lhe protege. Não há inocentes numa dita chuva. A chuva de vento começa pelas pernas, chega à cabeça com o vírus, as secreções e a febre. Não há inocentes, dita a chuva. A chuva adoece o corpo e a alma. A chuva impede a luta. Aliena. É preciso pisar no barro. Afogar-se na lama, virar esterco. Como quem quer uma ditadura, se já vive sob ela? Como uma pessoa exige uma doença degenerativa? Bata no seu filho e atente para o monstro que criará?
Onde nossos jovens guardaram seus ideais, suas palavras de ordem, seu canto de guerra? Não pensam, não sabem da força da palavra, preferem o mutismo da vaca de presépio. Do não é comigo. Da brincadeira de cabra cega.
Precisam ser ensinados, não doutrinados. Educação ou condução?
Então, como faremos para mudar isso?
É mentira do seu avô, no tempo dele nada era melhor: o passado está morto, mas não enterrado. É cadáver insepulto para culto dos saudosistas renitentes, a inflamação dos que não sabem e ódio dos motores, motores impulsionam para frente.
Nossa estrada tem muitas curvas, curvas são necessárias para chegar às retas e as retas para chegar às curvas, como a mulher grávida que traz dentro de si sua continuação.
As coisas não estão encaminhadas, caminham, crianças precisam ser educadas, os velhos de velhas ideias precisam de empurrões.
O cotidiano cheira a merda nas páginas e nas telas e nas bocas. Insatisfação é bom. É o germe da ambição, o adubo da revolução.
Dente cariado precisa doer para ser tratado.
Há muitos traficantes e passantes; há bocas de lobo protegidas por dentes de ferro no passeio. Estão ali para machucarem saltos distraídos, romper tendões, ligamentos.
Há muita porrada a torto e a direito, os altos saltos agulha fingem não ver, é mais cômodo contornar a boca, já que lobos escondem a merda no submundo.
Dominar os ignorantes é torpe. Desapropriar a própria ignorância é distopia. Desabrigar a própria consciência virou mania.
Assim, como faremos para mudar isso?
Liberdade não existe, é mentira mal empregada, outrora desempregada, inventada para entreter quem se fartará com a revolução. Quem se infectará com a regressão.
Liberdade é como privacidade, cada um tem a ilusão de conseguir a sua.
Liberdade não é disciplina, é desrazão, é muro, é condução.
Como se faz para ascender a chama de quem não quer lutar, nunca soube idealizar, nunca soube o que é pensar? Sabe tão somente decorar.
A chama chama. Chama por uma utopia. Mas, não chama o ascendedor.