Carta aberta ao Ministro de Educação
Sr. Abraham Weintraub:
Apesar de todas as críticas que faço ao ENEM, que, na minha opinião, é um dos sistemas mais desiguais de ingresso às universidades públicas do país, venho solicitar: “Adie a data da prova”. Não faz sentido mantê-la, por questões óbvias.
Seja inteligente, apesar de viver em um mundo paralelo. Pense. Pandemias não têm data e hora marcada para serem controladas. Vírus não podem ser ofendidos em fake news, nem espancados em manifestações.
Mesmo que o vírus seja controlado, não será possível preparar “os alunos de escola pública”, em um tempo minimamente razoável, para disputar uma vaga com os de escolas particulares.
Observe: vários alunos de escolas públicas, contrariando a lógica, conseguiram ser aprovados. São exceções tão absurdas que os jornais correm para entrevistá-los. Acabam servindo de exemplo para estimular uma massa considerável de estudantes, que pretende desistir de estudar, afinal não vê sentido em entregar uma parte de sua vida a algo que não lhe servirá para absolutamente nada.
Sei que o senhor não conhece o Brasil, apesar de viver nele, mas “pense”, se possível: A desigualdade digital no país é perversa. Uma das mais perversas do mundo. A internet do sul e sudeste é absurdamente mais veloz do que a do norte e nordeste. Muitos municípios sequer têm acesso a ela, nem a computadores. Usar um celular, mesmo no sul maravilha, para fazer inscrição em um sistema sobrecarregado, que cai a cada momento, não é fácil. Para conseguir a inscrição, é preciso passar o dia inteiro tentando.
Quando o aluno precisa pedir isenção, na hora H, curiosamente, o sistema cai. Parece brincadeira, mas convenhamos, é uma brincadeira nefasta.
Adiar a prova significa reorganizar um calendário: Será que o MEC não sabe sequer como fazer isso pelo menos?
O aluno brasileiro, mesmo o de escola particular, não tem disciplina para estudar online. Os professores não também foram capacitados para isso. A escola está sobrecarregada.
Há um surto de desespero, ansiedade e depressão tanto de pais quanto de alunos, que não sabem o que fazer. Pessoas apostam tudo nessa prova e, hoje, vivem de incertezas. O vírus escancarou a incompetência.
Atenciosamente
(Luiz Cláudio Jubilato – coordenador geral do curso Criar Redação, com 40 anos de experiência em vestibulares)
A pergunta que não quer calar
Recebi uma enxurrada de perguntas de pessoas conhecidas nestes dias de quarentena sobre qual veículo de comunicação eu aconselhava ler ou ver, devido à sua isenção. Expliquei: sua busca é inócua, Não existe veículo de comunicação que não seja parcial implícita ou explicitamente. Para ser claro: A própria pergunta é parcial, busca o impossível: a neutralidade. Não humanos neutros.
Os grupos de “direita” acusam a Rede Globo de “Globolixo”, por “falar mal” do presidente. Alguns irascíveis berraram: “Eu nem assisto àquilo mais”. Pergunto: Quais argumentos você usa, então, para defender o presidente, se você não sabe o que ela diz? Os de “esquerda” acusam a Rede Globo de “Globolixo” pelo motivo oposto: “Amenizar as críticas” ao presidente. Isso nos leva a concluir que cada “corrente” tem a sua verdade e pretende impingi-la a qualquer custo ao outro. E a Rede Globo não serve aos seus propósitos. Longe de mim defender a Globo, não recebi procuração e tenho mil ressalvas, mas não há alguma coisa de errado?
Rotular a imprensa, acusá-la de parcialidade, tentar calá-la, agredir os jornalistas são as fórmulas mais antigas de fazer política partidária. Governantes toleram a imprensa. Se pudessem, a implodiriam, como fazem os governos totalitários. Os veículos de comunicação são reféns do capital, do partidarismo, do viés ideológico usado para exporem os fatos, além de outras tantas coisas;
Não é só a Globo que manipula fatos e dados, para angariar a fidelidade de um determinado setor da sociedade. Nas redes sociais, há perfis repletos de “achistas”, que falam sobre o que não sabem, não checam as informações, dos que esquecem o fato para comentar o comentário, o dos que curtem posts baseados na manchete sem ler a matéria para conhecer o conteúdo e dos que compartilham posts sem fazer a mínima ideia do que estão compartilhando. A checagem em mais de um veículo de comunicação é crucial para a tomada de posição consistente e coerente.
Em uma obra fantástica de José Saramago, A História do Cerco de Lisboa, o revisor Raimundo avisa que a história não é de ninguém, é fruto da visão daquele que busca os fatos e os checa criteriosamente para defender sua posição.
Boato é achismo, é perigoso, porque tanto constrói, quanto destrói fatos, reputações, insufla os crentes se fanatizarem por determinada religião, bloqueia as discussões.
“Cada povo recorta a realidade da forma como a vê”, ou seja, não existe imparcialidade nos veículos de comunicação por uma razão bem simples: não existem seres humanos imparciais, neutros, basta ver como cada partido brande a Constituição em benefício próprio, como cada manifestação ergue uma bandeira, como cada grupo de pessoas se abstém de votar, como grupos buscam neutralidade.
Se, por causa disso, você decidir virar um eremita, não se esqueça de que essa atitude é uma tomada de decisão. Toda tomada de decisão, pelo motivo que for, é parcial.
“Ah! Mas há fake news?”. Há, agora, as fake news das fake news”. Então, o que é verdade e o que é mentira?”. A verdade, grosso modo, tem a ver com o fato, a maneira como há a coleta de dados (provas), que deem credibilidade aos argumentos, que sustentarão o ponto de vista. Tem a ver com intencionalidade de quem a defende. Segundo Aristóteles, “A única verdade é a realidade”. Vou além, a mentira é fruto dos que não sabem que não sabem. Finalizando: Se você busca isenção, esqueça. Até mesmo a sua busca, não configura isenção.
Do Smartphone às plataformas de ensino
Em outros artigos sobre educação, confessei minha aversão pelas palavras “oficina” e “plataforma”. Porcas, parafusos e roldanas, em formato de cérebro, me parecem não ter nada a ver com educação, e sim com mecanização, afinal educar não significa “consertar” e sim “concertar”. “Plataforma” me passa a sensação de prisão. Educação exige muito mais que fincar os pés no chão, propõe “alçar voo”, “mergulho”, “descobertas”.
Há também duas frases às quais tenho aversão. A primeira é “no meu tempo era melhor”. Quem se propõe a falar isso, apropria-se da história. A história, na verdade, não é de ninguém. Usá-la para embotar o jovem, como se ele tivesse cometido o crime de lesa-velhice, aí sim é crime. Vida é mutação, nunca estagnação. A segunda é “precisamos dar limite a essa criança”. Penso que a crise de criatividade, no mundo moderno, talvez se deva a isso, “impor” limites, embotar a criatividade da criança, torná-la a imagem e semelhança dos pais.
Como diria o grande filósofo Mussum: “É aí que está o busílis”. Há pouco participei de um debate com pais e educadores sobre “O uso do smartphone em sala de aula”. Sempre fui favorável ao uso. O que me assustou foi a frase repetida por vários: “No nosso tempo era melhor”, a gente lia mais, prestava mais atenção às aulas, respeitava mais os professores. Mentira. Observem o mundo que legamos aos nossos filhos.
“Precisamos dar limites aos filhos, muitos pais deixam eles (sic) pra lá”. Eles terão a vida inteira para serem tolhidos. Ao invés de “limites”, não seria melhor criarmos estratégias para descobrir talentos. O uso do smartphone nos tornará intrépidos educadores? Claro que não. Mas, ele já sinaliza duas questões: 1) Quais estratégias as escolas desenvolveram para usá-lo a seu favor? 2) Por que insistimos em uma escola punitiva e não proativa, que nunca levou nem ela, nem o aluno a lugar nenhum? Só a estudar para passar e não para saber.
As escolas estão a reboque da revolução tecnológica. A resistência a mudanças as torna “chatas”: 1) O celular se tornou a extensão do corpo e do cérebro. Os debatedores consultavam seus celulares a todo o momento 2) A única forma de comandar uma revolução é penetrar no mundo do revolucionário. Quem proíbe gosta de ser engando. 3) A escola, tal como a conhecemos hoje, está extinta, somente as paredes continuam de pé. 4) O professor, dono e senhor do conhecimento, tem que repensar sua conduta. A bordo de um dedo, qualquer aluno checa facilmente quaisquer informações. 5) A escola “impositiva”, sustentada pelas paredes da sala de aula, “enenzada”, “conteudista”, “punitiva” está fadada a morrer.
Professores, que só têm como recursos os slides, o powerpoint, a câmera de celular têm a falsa ilusão de que mergulharam no mundo da tecnologia. Ilusão? Sim. A linguagem virtual tem outra dinâmica: simplificada, móvel, colorida, interativa. Sentar um jovem em frente a uma tela de computador, durante 1h, “assistindo” a uma aula, chega a ser bisonho, basta observar a linguagem dinâmica do Facebook e do Instagram. São grandes os desafios: Como usar a tecnologia a favor da escola de forma interativa, o aluno não pode apenas ser um assistente do que a escola crê que deve ensinar? Como estabelecer uma relação que não envolva o mero adestramento via “plataforma”, tal como ela é usada hoje?
A pandemia do corona vírus fez com que essas discussões ganhassem contornos ainda mais fortes. No debate, todos queriam trocar impressões sobre como será a escola pós-pandemia. Eu não. Queria propor impressões sobre a escola de hoje, obrigada a pegar carona na calda do vírus, mais preocupada em dar uma rápida satisfação às famílias. Simplesmente transferiram a escola presencial para plataformas de videoconferência. Essas “plataformas” colocam o aluno, de novo, na condição de ser passivo. Diante de todos esses fatores, o professor quer que o aluno fale, participe, opine. Por isso, a redação é um bicho papão.
A escola foi pega com as calças nas mãos por um vírus. Inimaginável? Sim. Foi ser microscópico que pôs a escola contra a parede. Mostrou o despreparo de educadores e escolas para lidar com uma situação inusitada. A sorte dela é que o aluno “enenzado”, acoçado por “cheio de limites” só se preocupa com quantidade de horas. Os professores do ensino fundamental estão à beira de um colapso, tiveram que criar estratégias de “ensino” na marra. Mas, mantiveram o mesmo sistema estressante de horas/aula sem levar em conta que entupir o aluno de atividades só geraria mais estresse.
Alguns problemas precisam ser ponderados: 1) A grande maioria dos professores não foi capacitada para usar ferramentas virtuais, apenas reprisam aulas presenciais. 2) Alguns são “analfabetos digitais” e não querem sair da sua zona de conforto. 3) A escola perdeu o bonde da história. A história do smartphone, que contei acima, joga luzes sobre o hoje. “Não quero que meu filho use o celular na sala de aula, mas o uso o meu nas reuniões”. Meu filho fica o tempo todo no celular.
A pandemia fez com que os pais finalmente aprendessem a diferença entre educação e ensino, filho e aluno. O confinamento desafiou pais a criarem estratégias para manterem crianças atarefadas, professores a se desdobrarem para chegar até elas. A escola do presente precisa olhar para si mesma agora, para não se perder, querendo, “a toque de caixa”, fazer o que nunca dez. Agora é hora de dialogar, construir uma escola sem paredes.
Hoje, em uma propaganda, vi uma faculdade chamar pessoas para se matricular, porque dá o mesmo número de horas de uma universidade presencial. Passei para outro canal.