A pergunta que não quer calar

Recebi uma enxurrada de perguntas de pessoas conhecidas nestes dias de quarentena sobre qual veículo de comunicação eu aconselhava ler ou ver, devido à sua isenção. Expliquei: sua busca é inócua, Não existe veículo de comunicação que não seja parcial implícita ou explicitamente. Para ser claro: A própria pergunta é parcial, busca o impossível: a neutralidade. Não humanos neutros.

Os grupos de “direita” acusam a Rede Globo de “Globolixo”, por “falar mal” do presidente. Alguns irascíveis berraram: “Eu nem assisto àquilo mais”. Pergunto: Quais argumentos você usa, então, para defender o presidente, se você não sabe o que ela diz? Os de “esquerda” acusam a Rede Globo de “Globolixo” pelo motivo oposto: “Amenizar as críticas” ao presidente. Isso nos leva a concluir que cada “corrente” tem a sua verdade e pretende impingi-la a qualquer custo ao outro. E a Rede Globo não serve aos seus propósitos. Longe de mim defender a Globo, não recebi procuração e tenho mil ressalvas, mas não há alguma coisa de errado?

Rotular a imprensa, acusá-la de parcialidade, tentar calá-la, agredir os jornalistas são as fórmulas mais antigas de fazer política partidária. Governantes toleram a imprensa. Se pudessem, a implodiriam, como fazem os governos totalitários. Os veículos de comunicação são reféns do capital, do partidarismo, do viés ideológico usado para exporem os fatos, além de outras tantas coisas;

Não é só a Globo que manipula fatos e dados, para angariar a fidelidade de um determinado setor da sociedade. Nas redes sociais, há perfis repletos de “achistas”, que falam sobre o que não sabem, não checam as informações, dos que esquecem o fato para comentar o comentário, o dos que curtem posts baseados na manchete sem ler a matéria para conhecer o conteúdo e dos que compartilham posts sem fazer a mínima ideia do que estão compartilhando. A checagem em mais de um veículo de comunicação é crucial para a tomada de posição consistente e coerente.

Em uma obra fantástica de José Saramago, A História do Cerco de Lisboa, o revisor Raimundo avisa que a história não é de ninguém, é fruto da visão daquele que busca os fatos e os checa criteriosamente para defender sua posição.

Boato é achismo, é perigoso, porque tanto constrói, quanto destrói fatos, reputações, insufla os crentes se fanatizarem por determinada religião, bloqueia as discussões.

“Cada povo recorta a realidade da forma como a vê”, ou seja, não existe imparcialidade nos veículos de comunicação por uma razão bem simples: não existem seres humanos imparciais, neutros, basta ver como cada partido brande a Constituição em benefício próprio, como cada manifestação ergue uma bandeira, como cada grupo de pessoas se abstém de votar, como grupos buscam neutralidade.

Se, por causa disso, você decidir virar um eremita, não se esqueça de que essa atitude é uma tomada de decisão. Toda tomada de decisão, pelo motivo que for, é parcial.

“Ah! Mas há fake news?”. Há, agora, as fake news das fake news”. Então, o que é verdade e o que é mentira?”. A verdade, grosso modo, tem a ver com o fato, a maneira como há a coleta de dados (provas), que deem credibilidade aos argumentos, que sustentarão o ponto de vista. Tem a ver com intencionalidade de quem a defende. Segundo Aristóteles, “A única verdade é a realidade”. Vou além, a mentira é fruto dos que não sabem que não sabem. Finalizando: Se você busca isenção, esqueça. Até mesmo a sua busca, não configura isenção.

 

 domingo, 10 de maio de 2020