ESCREVEREI SOBRE O NADA
Hoje escrevo. Obrigado. Não quero escrever. Não tenho nada a dizer. Sinto-me só, não tenho dó nem estômago, para desatar esse nó: nenhuma perspectiva para mudar essa vida em carne viva.
Li hoje uma notícia bélica que provavelmente mudará os rumos do mundo: Kayzar vence Jéssica e é o novo líder do BBB18. Terrível, mas é verdade verídica. Agora Kayzar, Kim Jong Il e Donald Trump são líderes. O primeiro está às voltas com as tramoias para ficar em primeiro no BBB18. Não ganha um milhão, quem fica em segundo. O segundo, destrambelhado, usurpador do estado, anda metido em tramoias com a China para conquistar o mundo; o terceiro, bem, o terceiro ganhou, chegando em segundo. Você pode até escolher em qual das tramoias anda metido: subornado pela Rússia de Putim (ninguém se chama Putim impunemente), estupro da Coreia do Sul, assédio sexual contra uma atriz pornô, assédio moral contra esse mundo imundo, agindo sempre no submundo.
Hoje não quero falar sobre nada. Não quero nem falar sobre a recuperação de Neymar, do medo do PSG perdê-lo para o Real. Neymar está insatisfeito em Paris, desacostumado com os buracos nos gramados e a violência dos adversários. Queria vê-lo satisfeito na Rocinha, refém da violência do tráfico, raivoso com os buracos de bala na parede da casa. Isso é coisa de doido delirante, babaca. Neymar nos redimirá, ele nos salvará. Neymar Junior ambiciona ser o primeiro do mundo, não aceita ser o segundo. Não pode ser derrotado, contrariado, precisa ser amado, paparicado como um rei. Neymar alugou uma mansão, de frente para o mar, para poder se curar. Prefere o capital do time da capital espanhola. Um craque não vive de esmola, porém parece um boneco de mola nas mãos de seus proprietários, estes sim, donos da bola. É refém da escravidão moderna, não dos dentes, mas das pernas.
Nesse caso, prefiro falar da minha unha encravada, do Rio de Janeiro, que virou piada com a intervenção militar, para intimidar o cidadão, calar a insatisfação com o desgovernador Pesão, com os bandidos fardados, os à paisana, com a polícia e a milícia que manda com o caveirão. Rio, uma doença supurada, purulenta como uma unha desgraçada. O cidadão vitimado, torturado, vendo impotente, alijado, aleijado, sua casa alvejada, sua família escorraçada, quer sobreviver, ver seu filho crescer. Marielle Franco representante dos negros, aqueles que sempre perdem os seus empregos, vítimas do racismo de filho de preto, que acha que é branco. Morreu, mas seu eu sobreviveu.
Hoje não quero Temer o temer e sua corja de ladrões do erário, de assistir impotente o Maluf virar ex-presidiário e do STF soltar mais um megaempresário. Não quero falar que o Maluf se excluiu da cadeia, afinal a judiciário é uma teia. Teia de leis, tecidas para prender otários. Salvar reis, como Sarney, dono do Maranhão, onde ninguém é cidadão. Maluf saiu por questões humanitárias, foi cumprir prisão domiciliar e gargalhar da nossa idiotia, nossa distopia, nossa miopia, na nossa cara. Essa foi para nos humilhar. Maluf inocente é o mesmo que acusar de comilão um povo sem dente.
Nesse caso, prefiro falar da tropa de choque do Lula, da sua corja de ladrões do erário, de como seu advogado ridiculariza o “phoder” judiciário, do Gilmar que tem o cacoete de soltar qualquer amigo rico, ao invés de mandar baixar o cassete, descer o porrete nesses safados, como faz o carcereiro ordenado no lombo do encarcerado, sem ordenado, cheio de dívidas para pagar e sua vida para preservar. Até Zé Dirceu, réu confesso no confessionário de Moro, tornou-se ex-presidiário, trancou Sérgio Moro no armário e foi dançar forró num aniversário, zombando do povo otário.
Hoje não vou falar do Tite, nem da sua tropa de elite, nem de como sua seleção nos salvará, será a nossa redenção, nos tirará do terceiro mundo. Tite para presidente! Valdenor, o vencedor, o salvador. Ganhar é o que importa em um país de moral torta, em que se espera todo dia nascer um salvador da pátria. Deixaremos de ser um povo pária. A copa nos guindará à condição de país desenvolvido. Nem de longe o país de politiqueiro, onde só é cidadão, quem tem dinheiro.
Nesse caso, prefiro falar desse mundo imundo. E olha que não me chamo Raimundo. Não sou rima, nem serei solução. Não sou apaniguado, nem tenho mansão de frente para o mar para me recuperar. Como você, recebo também essa informação deturpada, acanalhada. Não sou genial como Drummond, muito menos intrépido como Santos Dummont, sou apenas mais brasileiro, morador de um imenso Rio de Janeiro. Terra em que ninguém tem voz, grita dentro de uma casca de noz, massacrado por uma impotência atroz.
Encomenda mais um jornalista em tom solene, em um momento pobre, a que chamam nobre: em quinze segundos, faça um vídeo, com o celular deitado eternamente em berço esplêndido, dizendo que país você quer para o futuro. Quem sabe um país sem muro, que não caia de Maduro, fingindo ser uma democracia, como a Venezuela, quando é, na verdade, uma dura democratura, estúpida e enferma, corrupta. Desculpem minha rima miserável.
Não fiz o vídeo, mas se o fizesse resumiria o que eu quero desse país. Resumiria em três palavras minha utopia: “Quero um país”.
Hoje não vou falar do Lula que não poderá concorrer à eleição, por causa de um apartamento no Guarujá. Faz-me rir, quero saber já onde meu dinheiro está ainda. Escarnecerá de todos nós o governo, criando um novo Collor deposto por causa de um Fiar Elba e reformas na Casa da Dinda? Faz-me rir, Collor não foi preso e nem devolveu meu dinheiro ainda.
Neste dia solene penso e penso e penso para amadurecer, será que não é melhor pensar em emburrecer para viver? Pensar em não escrever? Pensar que vale a pena embrutecer para sobreviver? Tampar os olhos para não ver? Comprar armas para resolver? Fazer uma revolução, para que uma nova elite chegue ao “phoder”? Sempre neste estado de comoção, nenhum de nós é cidadão, por isso aprendeu que voto não muda nada, isso deu asas ao fanatismo, ao nanismo cerebral. Desculpe-me não deu rima.