Hoje

(O Boca do inferno – direto de hoje)

14 de abril de 2017

Hoje acordei poético.
Vi as primeiras notícias do dia.
Estou sentado, para não cair, lendo as primeiras listas de chamada dos políticos do dia.
Disse-me o raivoso Ferreira Gullar: Não há vagas / O preço dos ovos de Páscoa / não cabem no poema. / O preço do bacalhau / Não cabe no poema. / Não cabem no poema / a inflação e a manipulação… (tens razão Ferreira, não cabem nem a empulhação, nem o cinismo, nem a corrupção – deu rima, Ferreira!, viu? Mas foi rima pobre).

Dorival cantou com sua voz macia, porém lúcida, nos meus ouvidos quase moucos: Eu vou pra Maracangalha / Eu vou / Eu vou de chapéu de palha / Eu vou… (não sei onde fica Maracangalha, mas nesses tempos bicudos, melhor ir com Dorival. Vai que a operação Lava-Jato vira inquisição: Se Anália não quiser ir / Eu vou só / Eu vou só / Se Anália não quiser ir / Eu vou só – mas fique tranquila Anália, pagarei pensão alimentícia).

Bandeira me disse em tom ingênuo, desconhecedor do feminismo e da policalha desses tempos bicudos: Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá tenho a mulher que eu quero / na cama que escolherei… (não é bem assim, Manoel – ser amigo do rei é uma roubada, ele pode parar nas mãos do Sérgio Moro e, se a Odebrecht construiu o castelo, ele fará delação premiada e você pode ser arrolado como operador do sistema de caixa dois – muito menos terá a mulher que quer, na cama que escolhe: isso é machismo. E se você escolher a cama e ela não quiser aquela? Ela escolhe a cama e a hora. Acredite, Manoel, é melhor assim).

Acho que vou seguir meu próprio poema, apesar de hipócrita: Vou-me embora pra Machu Picchu. Lá não tenho amigo, nem rei / lá não há politicagem / nem coisa que não sei…

Lá posso, sem problemas, posso praticar os versos de Adoniran Barbosa sem ter que votar em nenhum estatuto sobre o desarmamento: Nervoso pegarei a arma e praticarei para não ser mais assaltado na “taubua de tiro ao Álvaro” / não tem mais onde furar… / teu olhar mata mais que Bala de carabina / Que veneno estricnina / Que peixera de baiano / Teu olhar mata mais que / Atropelamento de automóvel / mata mais que bala de revólve.
Melhor parar de poetizar.

Daqui a pouco minha auxiliar de serviços gerais colocará o bacalhau na mesa.
Não falo “empregada”, porque o vocábulo pode sugerir preconceito de classe e eu não quero ser preso por discriminação.

Boa Páscoa, apesar de eu ser ateu.
Tá vendo, acordei tão poético hoje!
Vou ler um Brasil “Claro Enigma” à tarde. Drummond e o mundo que me aguardem.

Por Luiz Cláudio Jubilato. Educador e diretor do Criar Redação. Professor e especialista em Língua Portuguesa e especialista em vestibulares. criarvest@uol.com.br

 segunda-feira, 17 de abril de 2017