A SAGA DO COMIGO NINGUÉM PODE I
(O BOCA DO INFERNO – 6/5/14)
Parte 1: O SAPO BARBUDO – O MUNDO NÃO É COLORIDO
Saí de um buraco seco. Seco, cheio de poeira, daquele buraco, quem pode, sai. Nunca vi um caderno até um mala de um chefe de setor vir me encher o saco. Anotou que eu mais falava que fazia. Acho que é por isso que nunca quis nem ver um caderno. Quem mandou estudar? Conheço muito chefão desses que morreu sem saber o que tinha.
Nunca sentei num banco de escola. O que eu sei, o torno me ensinou. O que eu não sabia, o torno cortou. Nunca aprendi a falar o português direito, mas ninguém numa fábrica fala português direito. Operário é povão. E o povão não mexe com isso não. Bebe pinga, não tem essa de uísque, não.
Nunca frequentei uma faculdade, nem precisei. O povão sempre entendeu o que eu falo. E olha que eu falo, hein! Ainda quando há muitos companheiros para eu convencer. Nunca, na história desse país, um pobre fala para as massas insurrectas como eu. Greve é comigo mesmo. Patrão treme quando subo num palanque. As porradas que tomei da polícia foram melhores que qualquer lição dentro de um livro. Aprendi que, quem tem companheiros, tem tudo: apanham junto e estão sempre dispostos a correr, comer fumaça e apanhar.
Daqueles “malas” que leram aqueles livros cheios de palavras complicadas, virei ídolo. Falaram tanta coisa de mim que nem eu nem me reconhecia. Era eu mesmo? Eu, agora lenda, virei lição. Os que escreveram aquelas teorias complicadas, metidos a entender o povo quer, nunca puseram a mão na merda, nem o pé no chão. Agora, seguem o que eu falo, como ovelhas indo para o abate sem saber. Falaram até que sou uma coisa estranha: um tal “marxista leninista”. Gritei logo: Que coisa de veado é essa? Isso não sou, não. Sou nordestino, e macho. Nunca, na história desse país, se viu um líder tão macho quanto eu.
Disseram que eu era o profeta da revolução. Defenderia uma tal de ética. Pensei que era uma gostosa. Me enganei. Esses intelectuais, que estudaram tanto para nada, queriam fundar um partido político para ganhar uma eleição. O estranho é que eles eram da tal da elite, mas queriam expulsar a tal elite do poder. Não entendi nada, mas topei. Peguei uma bandeira e dei a cara para bater. Falavam que tudo era em nome dessa tal de ética. Só se esqueceram de me explicar o que diabo era esse troço.
Mesmo não trabalhando mais, fundei com essa corja maluca o PT (Partido dos Trabalhadores). Fui entender o que era esse tal de partido, quando vi vários grupos partirem para a porrada ou xingarem uns aos outros dentro de assembléias. Dar o nome de Partdo dos Trabalhadores foi uma “roubada”. Trabalhador não vota em trabalhador. Esse povo metido a besta, que também não trabalhava, veio atrás de mim, dos meus “companheiros”. Em nome dessa tal de ética, fizemos coisas do “arco da velha”. Fizemos planos para derrubar a burguesia, derrubar o governo, derrubar macaco das árvores, derrubar tudo o que desse.
Queríamos virar tudo de pernas para o ar em nome da tal da revolução. Primeiro, bagunçamos o governo daquele sujeito metido a intelectual, cujo nome virou sigla. Parecia sigla de inseticida, o tal FHC. Emperramos a tal de máquina administrativa. O que ele fizesse, “virávamos no arranque”. Não deixávamos passar. Era a “zona do agrião”, que nem breque de várzea. Foi aí que me explicaram o que era a tal da ética. Para o partido do inseticida, funcionava de um jeito; para nós, de outro; para o outro partido, de outro. Essa tal de ética parecia uma puta, dava pra quem pagasse. Mas, dava voto: o povo nem sabia também o que era, como cabeça de bacalhau, mas queria. Nunca, na história desse país, se viu um partido que mais defendesse a ética do que o nosso. O povo acreditou na gente; a elite da elite, não.
Os companheiros da elite do partido queriam, porque queriam que eu mandasse no país. Queriam chegar ao poder. Coitados, achavam que mandariam em mim. Trouxas. Comigo ninguém pode. E eles, que estudaram tanto, não sabiam diferenciar a raposa do lobo. Quem mandou estudar? Estudar, pra quê? Eles se juntaram, eu falei, gritei, berrei e o povão me entendeu, a eles, não. Nunca vi, na história desse país, um homem berrar como eu. Me apelidaram de sapo barbudo, de nada adiantou. Perdi, perdi, perdi… até que ganhei. Se você não pode brigar contra a elite burguesa que manda, porque é baixinho, nordestino, bebedor de pinga, com cara de duende, então junte-se a ela. Entrou, na minha vida, porque o partido queria o primeiro ZÉ burguês. Estava garantida a vitória. A eleição estava no papo. Governar? Bom isso é outra coisa. Tem, mas não tem explicação.
(CONTINUA)