O LIVRO: ESSE SER ESTRANHO
(Prof.: LUIZ CLÁUDIO JUBILATO)
LIVROS vivem quase sempre exprimidos em estantes. Às vezes lado a lado, às vezes frente a frente, às vezes em cima uns dos outros. Lembram meu tempo de faculdade, naqueles ônibus entupidos, como se cada pessoa pisasse nos pés das outras, na subida para a UFJF.
LIVROS podem ficar empilhados, seres mortos sobre uma mesa, como se estivessem num cemitério. Na biblioteca central, a senhora de óculos de fundo de garrafa, voz de veludo, modos de freira. Coveira. Metódica. Colocava-os dispostos nas gavetas: os maiores na estante de cima, os generais; os médios, nas do meio, infantaria; os pequenos nas de baixo, soldados rasos. Todos têm seus nomes impressos nas capas, uma espécie de crachá. Os símbolos das editoras, no alto, voltados para fora. Parecem guerreiros recebendo condecorações.
LIVROS criam seres compulsivos. Há os que adoram cheirá-los. Nas megastores, o cheiro é do banho de sabonete; nos sebos, é o de quem, há muito, não se banha. Nas livrarias são jovens craques, com sua pompa e suas camisas novinhas esperando o contato com uma nova agremiação. Nos sebos, têm odor de coisa velha. Megastores parecem clubes. Sebos parecem asilos. Em livrarias são cobiçados. Em sebos esperam ser resgatados por um geriatra que remende suas capas e desamasse suas páginas.
Livros têm origem, família, identidade. Algum dominador/a, iludido/a, ilusionista os gerou. É o único que pode ter vários pais e nenhuma mãe; uma mãe sem jamais ter tido um pai. Sua alma fica exposta, suas vísceras arreganhadas em folhas. Precisa ser devassada, entendida, experimentada por um sujeito esquisito, que atende pela alcunha de leitor. Cada linha traz seu corpo coberto por fantasias. Cada parágrafo, uma alegoria. Cada capítulo, um labirinto. Cada clímax, um êxtase. Ninguém sai desse êxtase como entrou.
LIVROS são seres estranhos. Atiçam cheiros, sem tê-los. Veem ambientes onde eles estão, mas não estão. Há dentro deles caras e corpos amontoados, escalonados, divididos por classes, destinos e vidas e mortes que se enlaçam, entrelaçam. Há os principais, da primeira classe, que não escravizam os da segunda, nem pisam os da terceira… ou não…
LIVROS desafiam, mas não há como desafia-los. Têm donos, mas não são de ninguém. Nem da mão que os comprou, nem do ventre que os gerou. Nem de quem acha que os possui. Nem de quem simplesmente os adotou.
LIVROS podem ser amados, odiados, carregados, amassados, disputados… mudam, transmutam, bagunçam, provocam… mudam o mundo.
