O RATO

(LUIZ CLÁUDIO JUBILATO – 17/03/2014)

 

Engoliu a vergonha com o pão dormido. Ontem. Porre. Pinga. Putas e lembranças. De novo. A armadilha. O Bar do Beco fechou. E para sempre. Acordou com bafo de pinga.  Travesseiro azedo e a amnésia acorrentada ao ontem de todo dia. Era ruim e era bom. O pescoço. Preso. Mais um lapso. Melhor assim. Aquele pão de dois dias. Passivo. Não se libertava. Nem queria. O miolo crescendo na boca. Borracha. Desce exprimido. Sufoca. Que escorregasse com ele a vida! O pior de tudo não ficava nas noites, massacrava os dias. A armadilha. De novo. De dia podia ver suas espinhas. Tropeçando em si mesmo, remoía cenas, cenas, as mesmas cenas. O mesmo tema. Nunca ganhou. Como nos filmes, o bandido, ele, morria no final. O tempo matava os traços. Ela. Não era mais ela. Era quase ela. O tempo. Bafo azedo. Pintor charlatão. Voraz. Cenas, cenas, uma comia a outra. Virou vício. Armadilha. Anos e anos. Não se lembra do riso. Droga de vício. Droga. Filha da puta. Princesa. Revira o limbo. Novo caco remonta o espelho quebrado. Nó nas tripas. Pronto. Lembrou-se dela. De novo. Ela coisa divina. Demônio. Vinha do cheiro. Da parede. Do nada. Armadilha. O pescoço preso. Dias, meses, anos… Quem sabe, meses! Quem sabe, séculos! Quem sabe, milênios! Passivo. Respira pouco. Paixão. Sofrimento. Humilhação. Perdeu o respeito por si. Como ela poderia vê-lo, sem vomitar? Olhava-o. ele estava, mas não estava lá. Já amava amar o sofrimento. Seu cancro. Seu calo. Unha encravada. Doía. Pra que tirá-la? Armadilha. De novo.

Sabia. Nunca fora protagonista daquela história. Era comum. Feio. Pobre. O mocinho era dinheiro. Quando muito. Mas muito mesmo. Não passava de personagem secundário. Entre mentiras. Línguas e seios. Quando muito, não mais que figurante terciário. Medo de perder. O que não nunca teve. Tem. Ou terá. Ela riu. Armadilha. Riso de amiga. Insistiu. De novo. Esqueceu-se de si. De novo. Perdeu a vergonha. De novo. Nunca mais a viu. Mas, ela riu. Armadilha. Caiu. Vasculhou-a no armário. Na sala. Na madrugada, Dentro de si. Leu numa página velha, de uma revista velha. Último exemplar.  Morreu. O homem velho. Rugas na testa. Óculos de doutor. Disse. Explicou com autoridade, que o que dá gosto ao queijo cheio de buracos, são os buracos. Riu. Desejou-os para si. E?!…

 

 

 segunda-feira, 17 de março de 2014