À Sombra de uma letra
CAPÍTULO I – CAPITULAR
Ávidas, heroínas, compulsivas, amáveis, punitivas, alegres, indecorosas, pudicas, sádicas, elegantes, vis, sedutoras, ridículas, afáveis. Cada uma escondida atrás de uma letra. Amam-se. Odeiam-se. Correm. Discorrem. Mergulham dentro dos outros. Mergulham fora de si. Sem escafandro, mergulham na linha. Resistem. Não querem ficar desnudas assim. Praticam a dança dos véus. A cada mudança de página, um cai outro esconde. Atropeladas por um dedo, um olhar, um óculos, escorregam para as entrelinhas.
CAPÍTULO II – CAPITULAR
Acumuladoras.
Ratazanas.
Extasiadas.
Traças.
Ciumentas.
Cupins.
Egoístas.
CAPÍTULO III – CAPITULAR
Possessivas. Assaltantes frias. Atacam na calada da noite, ao meio dia, ao cair da tarde, almas e corpos descritos. Imaginados. Roubam-nos. Tomam para si a existência inexistente de pessoas, bichos, espaço, tempo. Escondem-se atrás de cada letra para usurpar. E, quando começam, não param mais, torturam-se até… até algum dia votar para, mais uma vez se apaixonarem. Abduzem seres, que, não sendo, são.
CAPÍTULO IV – CAPITULAR
Ninguém, que não ame ler, sabe o que é isso: incorporar sem perceber, aprender sem ensinar, sofrer sem conhecer, rir e chorar, identificar-se sem se identificar, submergir sem respirar. E o perfume? Perfume dentro da página, perfume fora da capa. Gozar.
Ninguém, que não ame, sabe o que é possuir um livro. Arqueólogos de sebos encontram velhotes desfigurados numa estante, mas, mesmo assim, empertigados. Bibliotecários grudam uns nos outros, resplandecentes, como se formassem um exército. Passantes os encontram amontoados numa banca. O leitor, de verdade, carrega o livro o mais perto possível do corpo. Puro prazer.
CAPÍTULO V – CAPITULAR
Possuir um livro é um entregar-se. Ele me compra. Ele me lê. Ele me leva. Emprestar um livro? Não. Por quê? É ato de lesa personalidade.
A aranha gera o fio. O fio gera a teia. A teia enreda o homem. O leitor é o personagem enredado, capitula.
Luiz Cláudio Jubilato – fundador e diretor do Criar Redação