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(O Boca do Inferno direto do sanatório)
Todas as vezes que um “indivíduo” chega ao poder se elege à custa da máxima “isso eu nunca farei isso, jamais roubarei do meu povo”. Primeiro discurso: “Estamos em um momento muito difícil, todos sabem”, aí vem a cacetada: Vou ter que cortar verbas da saúde e da educação. Fácil: Se faltarem remédios, equipamentos e mínimas condições de trabalho, não há problema algum, joga a culpa nas costas dos médicos, que querem ganhar muito e trabalhar pouco. Se o problema forem as escolas caindo aos pedações, a falta de equipamentos, a violência, é fácil resolver, basta jogar nas costas dos professores a culpa: são um bando de vagabundos que só pensam em ficar em casa e não querem trabalhar.
O problema agora é muito mais grave, as universidades federais não têm verba para continuar a funcionar. Ouvi da boca de um idiota, que se diz professor, que a UFRJ tinha que fechar mesmo, aquilo lá não passa de um bando de maconheiros e comunistas. Devido ao uso da língua mãe, dá para imaginar o tipo de professor que esse ser representa. Pior, outros gargalharam e concordaram. Pensei cá com os meus botões: “Onde será que esses energúmenos estudaram?”. Cheguei à conclusão de que não poderia ser em lugar algum. Não é possível que uma escola, por pior que seja, ajude seres desse nível a existirem dessa forma tão abjeta.
Para começar, será que nunca perceberam, nem perceberão o quanto uma universidade emprega professores supergraduados com um salário “mérdico”, sem equipamentos (lógico que há os que se viram), porém sem apartamento funcional, auxílio gasolina, auxílio paletó e auxílio do auxílio? A quantidade enorme de empregos diretos e indiretos que geram. O quanto suas clínicas populares contribuem para melhorar as condições de saúde das populações mais carentes e também o quanto uma grande parte se dedica à pesquisa científica? As contribuições da UFRJ, UsCAR e Unifesp para a ciência são inestimáveis.
Lamentável é pessoas grandinhas com dois ouvidos e algum neurônio comprarem o discurso de que universitários pertencem a um bando de professores maconheiros e comunistas. Se o Brasil tivesse tantos professores comunistas, seria o único país comunista do mundo e não esse bando de ditaduras sanguinárias que se intitulam comunistas.
Enquanto jornais estampavam nas suas capas que um aluno genial da escola pública ganhou uma bolsa em Havard e todo mundo e todos ficaram exultante, fiquei deprimido. Sempre é assim, os bons sempre se vão, como se ganhassem um prêmio. É u prêmio, mas com uma cara danada de exploração. No mundo capitalista, ninguém dá nada a ninguém, é a eterna lei do retorno. Não é assim: “Investi no meu filho a vida inteira, agora é hora de ele dar retorno?”.
Não é toa que somos subdesenvolvidos: os EUA é o maior importador de cérebros do mundo. Busca-os nos países subdesenvolvidos onde sempre há um geniozinho à disposição. Há departamentos em empresas em que só há imigrantes. É a lei do eterno retorno.
Um amigo mudou-se para os EUA para trabalhar na área de exatas em pesquisas, devido ao seu alto desempenho, recebeu ofertas de emprego: ele foi o mais jovem professor a defender sua tese de livre docência na USP e suas filhas impressionaram tanto os professores, que universidades, lógico, deram bolsas para que estudassem nelas. O Brasil é um dos maiores exportadores de cérebros do mundo e de matéria-prima também. Qual vale mais, aquele que transforma ou aquilo que é transformado?
Dependemos da China e da Índia para termos insumos para fazermos vacinas, uma vergonha. Temos Institutos de pesquisa respeitadíssimos no mundo inteiro. Dependemos de multinacionais para usufruirmos de tecnologia: nossos computadores têm apenas vaga lembrança: vêm de outros países muito mais avançados. Desenvolvemos tecnologia de ponta para produzirmos mais matérias-primas: a China, nosso novo dominador, agradece.
Enquanto estamos rotulando professores fechando universidades, outros países (inclusive o Chile, para falarmos de um dos nossos vizinhos), não querem saber qual a ideologia que nossos professores pregam, querem saber do que são capazes.
Destruímos o cerrado, a Amazônia, a mata atlântica para batermos no peito que produzimos grãos e carne como ninguém. Ótimo. Para nós mesmos? Não, para exportação. Se o preço do açúcar for mais atrativo no mercado mundial do que o do álcool, você será mais um revoltado, entrevistado pela tevê. Ou mais um resignado, o que é comum por essas plagas. Se São Pedro não ajuda, ligamos as termoelétricas para pagarmos mais pela energia e reclamarmos das bandeiras tarifárias. Deixamos o meio ambiente se degradar, emboscados pelo agronegócio, que nos traz mais divisas, e não podemos reclamar de sofrermos com a umidade relativa do ar pior que a do deserto do Saara, rios e reservatórios secando.
As universidades, os professores, maconheiros ou não, comunistas ou não, estão indo embora do Brasil. Eles poderiam, como podem, nos ajudar o seu país, desde que haja investimento em ciência.
Um certo “empresário” gritou a plenos pulmões que, se as esquerdas não forem embora, serão expulsas do país. É um “dejá viu” apatetado. Uma pessoa não é mais eficiente com as duas mãos? E os que não estão de um lado nem do outro, porque pensam com a própria cabeça, fazem o quê? Ficam ou vão embora organizar a casa dos outros, para que esse “empresário” continue importanto produtos industrializados? O agronegócio fatura, mas não consta que John Deere seja brasileira, muto menos a Bayern.
Veremos as universidades fecharem? Sim. E veremos pessoas nas escolas aprendendo mandarim? Foi assim com a chegada de Dom João VI (começamos a aprender a falar francês, a adquirir hábitos franceses). Nos anos posteriores à segunda guerra mundial se tornou obrigatório saber inglês, afinal fomos aculturados. Se não fossem os brasileiros, a Disneylândia já teria fechado; se não fossem os chineses, o Brasil estaria no buraco, faltariam peças para a maioria dos aparelhos e veículos, como quando o topete de Trump sobretaxou os produtos vindos de lá.
Vamos fechar as universidades para voltarmos a ter capitães do mato, porém, não se enganem, hoje usam terno e gravata e não negociam, impõem, possuem métodos mais sofisticados, querem mentes para criar para eles, corpos para seduzirem e matéria-prima da qual possam usufruir fartamente.
Aos terceiro-mundistas, cabe a ilusão de que é melhor ganhar na megasena, para nunca mais terem que trabalhar.
Ah! Tenho um ex-aluno que se confessa de direita e fez um texto muito bom sobre o momento vigente. O que nos torna fortes é a diversidade. E, lógico, estudar, para não parecermos idiotas defendendo o que os abastados querem de nós: corpos e mentes.
Pensar dói, mas vale a pena.