QUEM SE IMPORTA?

LIVRARIAS fecham. BIBLIOTECAS vivem às moscas.

Sofro de duas doenças incuráveis: saudosismo patético e indignação imbeciloide. Aposto na utopia, contudo enxergo a distopia. Tecnologia é bom e é ruim. Tecnologia é camaleão.

Quando os discos de vinil deram lugar aos toca-fitas, senti calafrios. A arte das encadernações fantásticas sumiu. Um idiota da praticidade me disse que era o progresso, assim preservaríamos melhor as florestas. Lojas e mais lojas faliram. Algumas, para sobreviver, incorporaram as batatas.
Quando os livros de papel deram lugar aos e-book, não são apenas as traças que perderam o emprego, os artistas das capas e encadernações também. Um idiota da praticidade me disse que assim preservaríamos melhor as florestas. Livrarias estão fechando e, muitas, para sobreviver, incorporam as batatas.
Quando as salas de cinema dos shoppings chegaram, os alicerces das salas urbanas tremeram. Com as plataformas streaming, ninguém mais precisa ir a lugar nenhum, para assistir a um filme. O eu sozinho matou o só na multidão. Algumas redes de tevê, para sobreviver, vendem batatas.
Quando uma livraria fecha, morremos um pouco mais. O antigo ocupa espaço e tem cheiro de calçamento. O novo desocupa o espaço e tem cheiro de asfalto. O fechamento deixa um vazio imenso, não só um buraco dentro de portas cerradas.
Quantas pessoas perderam seus empregos, por causa desse necessário progresso? Quantos milhares de salários deixaram de ser pagos? Quantos deixaram de girar a roda da vida? Progredir dói. Pessoas são capazes de matar por batatas.
As bibliotecas também estão às moscas e, daqui a pouco, perderão o sentido, tanto quanto as cartas, a escrita cursiva (nossa identidade), as notas, os nomes de ruas, praças e avenidas (a identidade da nação). A digitação, o cartão de crédito, o spotfy, o e-mail são como plásticos cheios de bolhas: é uma delícia estourar cada uma. Há ar comprimido apenas. Estão aí para também não ficarem.
Somos um país em que não se lê quase nada e livro é caro. A elite prefere comprar uma calça jeans. Coitada! Ela crê que se lê um livro apenas uma única vez. No mundo da palavra, não as incorporamos, simplesmente porque não as conhecemos. Obrigar alunos a lerem livros para fazer provas é usar a literatura como instrumento de tortura. Escolas, professores e bancas examinadoras são co-responsáveis pela falência do ensino e das livrarias e pelas baratas nas bibliotecas.
Há momentos em que o passado dói como uma ferpa enfiada no dedo. Desculpem: hoje se usa MDF, granito, azulejo e madeira tratada. Não há mais lugar nem para ferpas, nem para para a saudade patética, só para as florestas destruídas e as batatas.

 segunda-feira, 01 de outubro de 2018