#DAUSPRACASA
Mais um aluno do curso de medicina da FAMINAS suicidou-se. Parece que estou repetindo um texto de 2017, mas, infelizmente, não estou. As coisas acontecem numa mesmice inquietante neste Brasil varonil: somos uma sucata ambulante, quando se trata de processo educacional. Para meu espanto, fico sabendo que cinco tentaram, três conseguiram. Se juntarmos aos fatos, as tentativas de quatro alunos do quarto ano da USP, chegamos a uma estatística aterradora. Levemos em consideração que faculdades escondem tais fatos, pois não querem atrair para si a desconfiança do mercado.
Os motivos para essas tentativas são os mais diversos: depressão, ansiedade, rotina desumana de provas, reprovações, drogas, questões financeiras… Depois de dois, três anos de cursinho, muitos pais calculam: com o valor que pagamos o cursinho, pagamos uma universidade. Não percebem que estão construindo uma bomba relógio, pois não percebem que falta algo aos filhos: maturidade, autocontrole, base, foco, vocação, por exemplo. “Forçar a barra” é perigoso demais.
Então, vão ficar o resto da vida tentando? Primeira investigação: meu filho quer fazer medicina, mas estuda para fazer medicina? Segunda investigação: é um “sonho” dele ou da família? Terceira investigação: ele escolheu a faculdade ou serve qualquer uma? Essa terceira investigação leva a uma especulação: serve qualquer faculdade, o que importa é a residência.
Explicam os economistas, se o produto está muito barato e a procedência é duvidosa, não compre. Se você só pensa no valor da prestação, mas não pensa no valor total do produto, ficará inadimplente. Como o Brasil sofre de esquizofrenia econômica, não faça planos a longo prazo. Não escolha um mau produto, a vítima será você mesmo. Você já viu um aluno de uma má faculdade entrar em uma boa residência? Exceções existem, mas são exceções. O caro sai muito caro.
Se você é um mau aluno, aquele aluno que nunca estudou, porque confia “apenas” na sua inteligência, na sua sorte em Deus (ou em tudo isso junto), busca sempre o vestibular mais fácil, sinto destroná-lo: não existem facilidades no curso de medicina de qualquer instituição, por pior que ela seja. Maus alunos não se tornam bons médicos, mesmo que ganhem fama à custa da fama dos pais ou do marketing mais tarde. Maus alunos sofrem mais, porque têm obrigatoriamente que estudar. Maus alunos sofrem maior pressão.
Se você é um bom aluno, um idealista, que se propõe a estudar como um “louco”, para enfrentar alguns dos vestibulares mais “difíceis” do país, sinto destroná-lo: “Você não faz parte de um grupo de eleitos”. Pode não parecer, mas você é mortal. Vai estudar muito mais dentro da faculdade. Sabe que será muito, mas muito difícil. Você lutará pelo seu espaço no mercado de trabalho. Sabe que será muito, mas muito difícil. Ninguém o enganou.
Absurdo dos absurdos é que faculdades, sejam públicas ou particulares, não fazem um trabalho constante para ajudar jovens em crise. Somente depois das tragédias. Em quase todas, o calendário é desumano, massacrante. Em quase todas, há largo consumo de drogas, é preciso ficar acordado.
Será que toda essa dificuldade para entrar na faculdade, faz do trote da medicina, geralmente, o mais violento? Lembram-se da morte de Edison Tsung Chi Hsueh na piscina de atlética da USP/SP? Já houve todo tipo de denúncia: estupros, queimaduras, discriminação, humilhação.
O calendário de festas é enorme. As festas são as mais badaladas: “rola de tudo”. São jovens, têm o direito de se divertirem. Nada contra a diversão. Foi depois de uma delas, que um futuro médico, o Tuta, morreu, ao destruir o seu carro contra uma árvore. Tive pouco relacionamento com ele, encontramo-nos, quando costurávamos um acordo para o patrocínio do Projeto Veredas (atendimento de pessoas carentes em um assentamento). Observem: era um jovem com preocupações humanitárias. Foi como um murro no estômago a sua morte. Pais enterrarem filhos contraria a ordem natural.
FMRP/USP criou uma campanha, para abrir uma grande discussão (#dausppracasa). Depoimentos de um grupo de pais chamam os filhos à razão, antes que o pior aconteça. Um depoimento comovente está nas redes sociais (os médicos Mônica e Nelson Liporaci – grandes amigos, competentíssimos profissionais, falam para o filho Felipe).
Meus alunos me olham raivosos, quando repito: entrar na faculdade é difícil, mas permanecer dentro dela é muito mais difícil. Levei alunos da USP para conversar com eles. Uma aluna não quis mais assistir às minhas aulas, depois de eu colocar esse tema em discussão. Chegou a casa muito nervosa, segundo os pais: “Que pena!”. A venda nos olhos mata. É como atravessar uma rua movimentada, sem olhar para os lados. Em tempo: no Criar, há 15 anos, o psicólogo Marcelo Filipeck atende cada aluno; o departamento pedagógico, também. Minha preocupação vem de longa data; minhas atitudes, também.