À espera da “Guerra”: vestibular
Prof. Marcelo Góes – Prof. de Língua Portuguesa do Criar Língua Portuguesa e Redação
Embora difícil de serem quantificados de fato, há alguns livros os quais merecem ser lidos só depois de termos suficientemente amado, odiado, nos alegrado, sofrido, pisado, sido pisado, bebido, sido abstêmio, traído, sido traído… No caso, uma dessas obras é “O deserto dos Tártaros”, de Dino Buzzatti. Quando menos esperamos, podemos nos tornar um Giovanni Drogo: na expectativa de termos algo grandioso, nós deixamos escapar a Vida. Anestesiados e cercados, a maioria de nós vegetamos: cama. Despertador. Banheiro. Café. Rua. Escola. Sala de aula. Professores. Química. Literatura. Biologia. Geografia. Matemática. Gramática. História. Sociologia. Física. Filosofia. Educação Física. Engenharia. Letras. Medicina. Enfermagem. Design. Geofísica. Informática. Marketing. Biomédica. Almoço. Estudo. Lanche. Cochilo. Lista. Lista. Plantão. Plantão. Sala de aula. Escola. Rua. Café. Banheiro. Despertador. Cama. No fim, um único desejo: “tomara que não seja Ad infinitum”.
Olhando de fora, hoje, mais do que antes, não parece ser divertido estudar tendo como foco “único” o vestibular – embora pudesse ser. Muitos, embebidos dos inúmeros afazeres, poderão dizer “é fácil pensar assim quando se está fora do processo real”. Sim, é verdade. Por outro lado, é fácil também fazer do “processo” algo somente sofrível ou inevitável para assim acreditar que no fim valerá a pena. Valerá? A cada um cabe talvez uma resposta. Para mim, vale se for algo prazeroso e compartilhado o máximo possível. Costumo dizer: se pensarmos no conhecimento, podemos chegar a algum lugar; se pensarmos no “passar”, podemos chegar a um não-lugar. Nesse quesito, mesmo diante de um mundo obeso de informações e possibilidades, a grande maioria segue, quando segue, o caminho da mera quantidade de aulas, exercícios, filmes, textos lidos… Sem pensar, apenas jogando para dentro o que é visto e lido. E o resultado está sendo sentido no mercado e naqueles que hoje começam a assumir o controle.
Se analisarmos os “tipos” e “tipinhos” de profissionais (adestrados antes?) que estamos criando hoje: cheios de manias, de preguiça mental, de imediatismos meramente financeiros, de pouco coleguismos, de justificativas, podemos concluir que talvez todo o esforço acadêmico não esteja construindo o que se espera de um indivíduo: ética e princípios de coletividade. Parte disso se deve à forma que construímos, apesar do avanço democrático nas últimas décadas, estudantes menos questionadores e desafiadores, com raras exceções. Muitos somente testemunham a vida.
Obviamente, a formação é um árduo caminho e educar-se é difícil. Para uns, o resultado virá em seis meses. Para outros, em seis, sete, oito… doze meses. Para outros, em um tempo maior. E daí? O tempo nem sempre determina a capacidade de alguém. Penso que é importante ter paciência e respeitar-se a si mesmo intelectualmente. Isso serve para aqueles que já amadureceram (?) e sabem que estão fazendo a sua parte. É salutar lembrar que a dor e a delícia de nós mesmos são somente nossas. As outras pessoas participam do processo, não o são. Assim, não joguem o seu peso para outros. A responsabilidade é sua… apenas SUA.
Diante de tudo que já fora feito, agora é a fase do respirar e julgar o próprio trabalho anteriormente. Não resolve gastar o tempo em horas, horas, horas, horas de estudo. Certamente não é para dormir o tempo todo ou achar que não precisa fazer nada. Para mim, é manter um ritmo tranquilo, mapear alguns problemas, expandir a cultura geral e descansar. Do que adianta chegar à prova e dormir nela? É preciso ser racional e qualitativo. Não caia na neura do quantitativo. No fim, poder-se-ão colher resultados melhores – diferentemente de Giovanni Drogo.