É proibido proibir

Artigo do professor Luiz Cláudio Jubilato, publicado em seu blog no dia 17/10/2013

Nunca tive ídolos, porque eles têm uma imensa capacidade de trair nossas expectativas. Idolatrar significa, muitas vezes, perder a razão, entregar-se menos de corpo e mais de alma a um ser que pressupomos maior que nós ou pela força, ou pelo talento, ou pelos ideais, ou seja lá pelo que for. Maior e melhor. Ídolos sintetizam nossas fantasias, o que queríamos ser, ter ou fazer. A internet, por exemplo, empurra pela goela abaixo da patuleia cibernética idiotas travestidos de talentos aos borbotões. São os “talentos” de ocasião. Aparecem e desaparecem com a velocidade de um cometa. Não têm uma biografia a defender. Não têm uma “história”.

O capitalismo tem uma imensa capacidade de forjar ídolos, para que sejam vendidos como alfafa para animais. Jimi Hendrix e Janis Joplin, quando se deram conta de que se tornaram objetos de compra e venda, afogaram-se nas drogas e em poças de vômito. Se aparecerem os tais contestadores, como os hippies, não há problema algum, a indústria do entretenimento é antropofágica: atrai, pega, deglute, transforma e caga-os um a um. Viram moda, objetos, cartazes vendidos em lojas de CDs e DVDs. Anti-ídolo é ídolo dos babacas, fábrica de dinheiro.

E o Socialismo? É diferente? De jeito nenhum. Há apenas uma diferença, adora as denominações megalômanas, como: “Guia Genial dos povos”. O discurso parece revolucionário, a propaganda é a grande arma para a suposta revolução, no entanto as prisões são mais sombrias. Possui uma capacidade imensa de iludir e obstruir o pensamento remontando a história. Calar os dissidentes. Destruir-lhes a reputação. Táticas pisadas e repisadas. Fabrica símbolos revolucionários barbudos como fabrica covas aos montes em nome da igualdade dos povos, mas só quem lucra com isso são os membros dos mais altos escalões do partido. Condenam o capitalismo, porém se refestelam nele.

Há as ditaduras capitalistas, socialistas, igualmente corruptas, que têm a imensa capacidade de endeusar o “general” de plantão. A maioria dos contestadores só berram, mas não pegam em armas, deixam a entender que sua arte fala por eles, porém, muitas vezes, ela os trai. A prática não consegue acompanhar o discurso: “Vem, vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe, faz a hora/não espera acontecer”. Criaram o mito em torno de Geraldo Vandré que, supostamente, teria sido torturado pelo DOI-CODI (a polícia política da ditadura), porém, tempos depois, a lenda se desfez. Descobriu-se que ele fugiu para outro país. A história do autor de “Caminhando” não passava de uma fraude.

Caetano Veloso se apropriou da bandeira dos jovens acampados no Quartier Latim, em Nanterre, na França. Em maio de 68, lutavam pela melhoria do ensino, liderados por Daniel “Le Rouge”. Caetano, num discurso raivoso, gritou a plenos pulmões, no FIC (Festival Internacional da canção): “É proibido proibir”. Foi aplaudido de pé pelos que estavam engasgados com o sangue espalhado por todos os cantos pelos militares.

Chico Buarque, segundo a lenda, usou o pseudônimo de “Julinho da Adelaide” para se “safar”da censura. A lenda de que sua música metafórica venceu a truculência de Ernesto Geisel, pois o artista censurado era o ídolo da filha do general, correu as reuniões de todas as organizações clandestinas ou não: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Por causa desse episódio, Chico virou mais um dos paladinos da arte combatendo o canhão. Muitos exilados, que nada fizeram contra o regime militar, viveram agarrados a histórias escabrosas, que não passavam de histórias da carochinha, como a deportação de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Quem não se lembra de “London London”!

Como uma ora hora ou outra, a verdade esfarela o mito, o cordeiro que uivava como lobo não passava de um cordeirinho. Debaixo do casco duro surgia a feiosa e molenga tartaruga, para continuar vivendo e ganhando com a lenda, os censurados se transformaram em censores: qualquer biografia não autorizada não será admitida, isto é, será proibida. O que é isso? Deve ser coisa de torturadores descobertos pela comitê da verdade mentirosa. Será que o grande problema está no fato de que a biografia pode destruir o biografado: ao invés da lenda poderá viver numa tenda.

 quarta-feira, 23 de outubro de 2013