MELHORES REDAÇÕES DE ALUNOS

Laura Faria de Moraes Olivatto
Criar São Carlos

Alimento para o futuro

O barulho era tão ensurdecedor que eu sentia que todos os meus poros se fecharam, de forma protetora e claustrofóbica. Havia agitação total; tamanho movimento deformava as pessoas a minha vista. Bandeiras de todas as cores e acessórios bizarros decoravam o pátio. Os alunos se aglomeravam do lado esquerdo para participar dos jogos e danças. Os integrantes de um grupo participante estavam caracterizados como personagens de qualquer desenho animado cantando música desconhecida. Céus, aquela cena me deixou completamente desnorteada.

Decidi buscar refúgio em meu cantinho secreto e adorado: a biblioteca. Lá, minha única companhia seria a poeira e os livros abandonados; não precisava de mais nada. Sentada em um canto, eu fiquei enroscada em uma história que naquele momento me deixou fascinada. A coragem de um garoto que trabalhava na oficina do pai a fim de receber o dinheiro necessário para comprar livros para a irmãzinha. Lágrimas intrusas começaram a pinicar em meus olhos e, incomodando minha mente, lembrei das pobres criancinhas que a escola se propôs a ajudar com o dinheiro e os alimentos adquiridos na gincana que ocorria no pátio. Tal qual filósofa pertinente, questionei todo o ato de bondade. Para que um prato de comida, se aquelas crianças não têm possibilidade de conseguir um emprego decente para seu próprio alimento? De que adianta a balbúrdia no pátio?

Já era a hora de dar um passo à frente e ensinar lhes as maravilhas da leitura. Rapidamente, eu costurei aquela multidão e alcancei o coordenador escolar. Eu estava com a história do garoto nas mãos, e isso fez com que me olhasse espantado. Relatei meu plano avidamente e notei que sua sobrancelha ficava cada vez mais arqueada. Ao findar do discurso, um suspiro impaciente fez meu espírito murchar.

"Dona Amélia, por que você tem que ser tão difícil? Já não bastam os dois dias de aula que tiramos das costas dos alunos para que vocês se divertissem? Ainda tenho que suportar idéias absurdas sendo que as crianças do orfanato estão exultantes com os presentes? Volte para sua equipe e cante com eles. Garanto que esquecerá este projeto."

Injuriada, desvencilhei-me de sua presença. Só podia ser um pesadelo, queria apenas ler alguns livros para os órfãos! Quando o sentimento inunda o peito e a garganta, qualquer pessoa perde o bom senso. Isso não foi diferente comigo. Voltei à bancada administrativa tão vermelha quanto meu organismo permitia. Soltei o ar que não sabia que prendia e fiz uma simples declaração.

"Pois então dê as migalhas aos cachorrinhos! Seus pedaços inteiros de pão pode matá-los!" O coordenador fuzilou-me com o olhar, e quando pensei que me decapitaria e penduraria meus restos no pátio, ele disse com o semblante composto e a voz branda e sussurrada em meu ouvido: "Você está suspensa. Saia bem divagar para não aterrorizar nossos patrocinadores. Sua rebeldia aborrece-me profundamente." E contornando a bancada, fez um sinal melancólico. "Lamento muito, querida Amélia."

Todos os olhares repousavam sobre mim. Todas as bocas murmuravam meu nome. Mas não me atentava a isso. Morbidamente, coloquei o livro na biblioteca e saí, com a certeza de que os cães estavam satisfeitos com os pães docilmente embolorados.