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Deborah Moraes Gonçalves
Criar Ribeirão Preto

Valores ou produtos? Um ciclo.

UTOPIA. Ilha onde não há propriedade privada, onde todo trabalho tem mesmo reconhecimento e mesma intensidade, onde se veste a mesma roupa. Comunidade idealizada, igualitária, criação de Thomas Morus; metais preciosos e jóias são para crianças brincarem, não existe salário nem moeda. Utópico também é o dinheiro, criação do Homem, abstração simbólica. Quem dá valor aos símbolos é a mente humana e esta se encarrega de sua extrema valorização. No pódium das relações humanas este meio de troca substituiu valores, crenças, artes e quantificou sonhos, moral e fins. Tudo tem um custo.

No início eram trocas, escambo. A mercadoria era avaliada pela necessidade; não era utopia, mas a sociedade sem dinheiro existiu. Das trocas surgiram os objetos de intermédio e destes os metais, as moedas, o dinheiro, concomitantemente, o poder. Então, dinheiro: "valor meio" para alcançar "valores fins". Contudo, essa perspectiva do poder fez com que pessoas o conformassem como o próprio "valor fim". Problema. A busca da felicidade se transfigurou em busca por dinheiro. Quando não acumulado, compra-se prazer, segurança, liberdade, aventura, paixões, na sociedade do Homo Cansumens. Sim, o dinheiro substituiu valores, investe em emoções, e embora abstrato por abstrato, a troca foi desigual; saímos no prejuízo.

Resultado dessa troca desequilibrada é o vazio existencial que leva à busca incessante do acúmulo de dinheiro e do consumo para somar a eterna dívida. Buscamos o supremo lucro com excessivo gasto. Nesse ciclo paradoxal, lançamos mão de templos shoppings, crenças, arte mercenária, produtos e mais produtos. Na religião, pede-se pelo sucesso nos negócios; ouve-se testemunhos que estão sempre relacionados à benção do dinheiro. Não só da crença, mas também da arte, fez-se produto. Direcionada ao consumidor, não mais é realizada pela simples geração de cultura, e sim para a venda. Seu valor tornou-se mensurável e ter uma obra cara, mais um símbolo de poder. Triste ciclo no sorvedouro do consumo, que desfaz arte pura, crença pura em aglomerados de produtos cujos valores são utópicos. Prejuízo.

Todavia, não só a arte passou a ser mensurável. Quantifica-se moral, sonhos e fins. A primeira tem valor judicialmente analisado. Danos morais avaliados e indenizados segundo normas constitucionais. Já dos sonhos constrói-se fins, sonhos com base no capital. Se por um lado o consumidor encontra seu sonho alimentado pelo marketing como possível, tem-se o fim através de parcelas e financiamentos; por outro, o empresário que tem por fim vender seus produtos, os transforma em sonhos do consumidor. Sonhos capitais - "do it yourself" - que alimentam o sistema, essência da crença no consumo e da transfiguração do dinheiro em emoção, felicidade: "valor fim" de todos. Dinheiro= Felicidade.

Enfim, mensura-se felicidade pela capacidade de consumir emoções; capacidade de consumir, pelo poder; poder pelo dinheiro. Este é apresentado ao meio social materializando-se em propriedades privadas, status profissional, roupas de marcas e jóias à mostra. Aquisições materiais, inigualáveis a emoções? Prejuízo supostamente sanado ao se comprar viagens, ócio, paixões, liberdade (liberdade? Em um ciclo?). Compra-se valores: arte, crença, sonhos; indeniza-se moral danificado, avalia-se tudo. Valores ou produtos? É como se tudo tivesse se transformado em dinheiro e dinheiro em ideal. Passamos a transfigurar (ou ao menos quantificar) valores, sensações e aspirações humanas em produtos e suas essências ficaram perdidas no imaginário das idealizações. Pena o fim ser dinheiro... Em uma ilha, seria apenas papel e só serviria para fazer fogueira; não compraria qualquer um desses itens passíveis apenas de serem vividos. Em nosso mundo, vivê-los sem comprá-los? UTOPIA.