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Flávio Cruz Ferro
Criar Ribeirão Preto

O exemplo mais humano animalizado

Como vencer o impulso da vingança, a vontade de compensar injustiças de que somos alvos? Esse é o dilema do homem desde o momento de vivência com outros comuns, cujo crescimento acompanhou a evolução das comunidades denotando clara expansão de consciência pessoal e coletiva. Abandonar a retaliação primitiva - e antropologicamente instintiva - para perdoar é exercer a humanidade e propiciar sua evolução.

Em "Vidas Secas", Fabiano é enganado pelo soldado amarelo e, após perdas injustas no jogo, preso, espancado, humilhado. Durante esse abuso de poder, o sertanejo sentiu-se como o homem primitivo, na visão de antropólogos: vingativos, com vontade de revidar todo o mal sem propósito. Para o homem de neandertal, pode ter sido bem útil tal postura como intimidação e defesa, porém não mais o é.

Apesar da humilhação, Fabiano não se deixa explodir vingativamente e, por isso, é liberado do cárcere. Essa atitude de abnegação da violência garantiu a Fabiano, como a todos os homens, a convivência. Abandonado o primitivismo, as comunidades constituíram-se com o princípio de respeito às intenções coletivas e o revanchismo egoísta foi coibido. O Direito então aparece, conforme Michel Foucault, como forma de vigiar e punir os que ainda respondem instintivamente.

De volta ao sertão, Fabiano depara-se com o mesmo soldado, sozinho e desarmado, perdido na caatinga. O animalizado vaqueiro mostra-se então dotado do esplendor da humanidade, o perdão, e indica o caminho seguro ao seu malfeito. O processo histórico mostra que a evolução moral e jurídica da sociedade foi acompanhada da valorização do perdão, pois é a arma mais forte de evitar novas injustiças, ao invés de apenas revidá-las sem ganho algum. A prática da pena de morte é a vingança coletiva, prova de que há ainda egoísmo irracional em prática por Estados mais animalizados que Fabiano.

A passagem de Graciliano Ramos descreve bem a postura mais nobre do homem vivenciada ironicamente pela mais animalizada de suas personagens. Desde que se deixou a vida primitiva, foi necessário conter as exarcebações individuais de justiça, representação do Direito moderno. Acompanhou a história, a crescente importância do perdão nas práticas individuais, apesar de se encontrarem ainda exemplos infelizes de egoísmo coletivo, como na pena de morte. O dilema inicial é vencido pela trabalhosa prática do perdão, exemplificada no mais humano dos animais, Fabiano.