Desde o século passado, os direitos humanos têm se difundido como tema global. A inserção da pessoa humana como sujeito de direito internacional trouxe novos paradigmas, consequentemente, novos debates, dos quais surgiram duas teses: a relativista e a universalista. Seria o pluralismo cultural um entrave à construção de normas universais? Construídos, seriam estas normas verdadeiramente representativas da universalidade ou apenas reflexos do imperialismo ocidental? Esse embate deve ser resolvido sob um pilar fundamental, o diálogo intercultural.
Relativistas afirmam que a pretensa universalidade dos direitos humanos encobre um caráter estrategista e simboliza o imperialismo ocidental, que tenta globalizar suas crenças sem considerar diversidades culturais. Temem, aliás, que estas sejam destruídas ao permitirem tal intervenção e afrontam críticos e influências externas. Alegam a falta de representatividade, já que os documentos foram redigidos em territórios e por países ocidentais, e com isso, fundamentados em seus valores, não compartilhados por todas as culturas. Enfim, insistem na assertativa de que a idéia de proteção aos direitos é um elemento de política externa, vinculada a interesses econômicos, com fins de padronizações rentáveis; e defendem que todas as espécies de culturas devem ser reputados como válidos.
Ocorre que a argumentação relativista desvincula o projeto de humanização da noção de cultura. Muitas manifestação encobertas pela máscara da "cultura local", na verdade, exprimem a dicotomia entre dominadores e dominados, e legitimam atos violadores da dignidade humana ao invocar o respeito à diversidade. A inexistência de critérios morais absolutos na forma de direitos torna o indivíduo mais vulnerável a essa dominação. É contra esse buraco ético que entra a temática dos direitos universais. Ao contrário da "destruição" imperialista, a linha da universalidade pretende garantir uma diversidade cultural, no entanto, sadia, sem que tal desigualdade seja imposta. Assim, não se pretende substituir convicções políticos, ideológicas ou religiosas às custas de direitos, mas estabelecer um parâmetro mínimo para as relações sociais.
Apesar de ter nascido no Ocidente, a doutrina dos direitos humanos em di tem se alastrado. Basta observar tendências atuais para verificar que a existência de normas que garantam dignidades essenciais é uma exigência cada vez mais comum a quantidade de movimentos não governamentais de promoção de direitos mundo afora é exorbitante; são uma espécie de sociedade organizada em grande escala, associando desde bairros até nações. Por esse motivo, dentro de um programa de mundialização das relações via tecnologia, é ingênuo defender a não intervenção em culturas puras, sem influências externas.
Essa defesa é fruto de uma visão romântica, que idealiza uma homogeneidade para culturas regionais e recebe as críticas externas como uma ameaça aos costumes supostamente compartilhados em harmonia por todos. No cenário atual, o isolamento autárquico já não constitui uma opção; o pluralismo cosmopolita desabrocha mesmo no interior das sociedades fortemente marcados pelas tradições, e nas existentes divergências internas ecoam aspirações a direitos humanos. Se tal premissa não fosse verdadeira, não seriam inúmeros os relatos de mulheres mutiladas que hoje lutam em prol de direitos, nem haveria antropólogos expondo a falácia daquela visão romântica, simplificadora. Enfim, é necessário (re)construir a concepção de cultura partindo do princípio de que uma sociedade não pode ser compreendida a partir de um só ponto de vista.
Em suma não se busca um universalismo monopolizador, que seja fruto de um imperialismo cultural, mas normas que respeitem particularidades e incitem um diálogo cultural. Defender que quaisquer práticas sejam legítimas desde que compartilhadas por uma comunidade pode ser, e na maioria das vezes é, um discurso autoritário capaz de encobrir desigualdades, reprimir a liberdade e legitimar dominação. Conquanto existem diferenças entre culturas - e não se objetiva extirpá-los - isto não modifica o fato de que as pessoas, independentemente do local que nascem, fazem parte do segmento humano, com direitos fundamentais comuns (à vida, à dignidade, à liberdade). Uma construção universal de direitos deve se solidificar sobre a concepção da natureza humana comum e o alicerce do direito natural.