Ao falar em Brasil, a imagem imediata é a do malandro, com ginga para se aproveitar de situações e pessoas. A fama do "jeitinho" brasileiro se funde à definição de caráter e, generalizada, acaba por qualificar uma identidade negativa do país. Entretanto, será mesmo que em um país tão diverso todos preconizavam a desonestidade? Será mesmo passível de tal generalização?
Consagrado esse "jeitinho" no imaginário coletivo, a percepção que os brasileiros fazem de si mesmos tornou-se degenerada e corrompida. Com isso, a imagem que passou a ser vendida de nós para o exterior e para nós mesmo foi estigmatizada em base pessimista. A idéia que todos os brasileiros resolvem seus problemas de forma ilícita ou pouco idônea - com a banalização da trapaça, da troca de favorecimento e da "lei das vantagens" - prejudica nossa identidade enquanto nação e auto-estima de cidadão. Como novos "Leonardinhos", constroem-se, sobre essa generalização, novas memórias embasadas na velha "sociedade de favores".
Consequentemente, a difusão dessa auto-imagem cristalizou-se como valor. Ao crer que tal caráter é predominante, suscita-se a psicologia de grupo (ou dos manos), dominante em sociedades nas quais prevalece a cultura oral, em que a força do grupo sobrepõe-se ao indivíduo e sem aquele, este é socialmente inexistente. Em decorrência disso, pessoas tornam-se complacentes com comportamentos que discordam para não serem rechaçados ou excluídos do grupo. Nasce, assim, a condescendência de um povo que não se manifesta contra corrupções e escândalos de desonestidade: nasce o brasileiro cordial e passivo.
Contudo, a perspectiva do brasileiro malandro, habilidoso em seu "jeitinho", supervaloriza aspectos de uma realidade que existe, mas que ao se sobressair, não deixa de ser uma generalização precipitada e injusta. Observa-se que, realmente, faz-se uso desse comportamento, assim como se faz em qualquer país com obstáculos intrínsecos ao subdesenvolvimento. Em decorrência, muitas vezes, da extensa máquina burocrática, procuram facilitar e corromper a morosidade dos processos, e encontram, além da compreensão social e parceiros, o favorecimento da impunidade no país. Todavia, ressalta-se, aqui, que não é possível acreditar que o país seja inteiramente composto por desonestos e permitir que isso vire uma marca, esquecendo-se de outra característica tão pertinente: a obstinação honesta e a esforçada de muitos brasileiros.
Todos os dias, a todo momento, há provas de integridade e exemplos de batalhadores dignos, orgulhosos de suas atitudes honrosas. Carregam o "fardo de ser brasileiro" não por considerarem vigente a política da "vantajosa desonestidade", mas por se identificarem com a insistente busca de superação, mesmo diante de tantas dificuldades, leais ao seus bons valores.
Deixar que sobressaiam exemplos nos quais vigorem a malandragem e a desonestidade, é generalizar e supervalorizar aspectos negativos que não se congregam como unanimidade. É permitir que se cristalizando essa errônea unidade, caracterize nossa pessimista identidade, e estimule o surgimento de valores distorcidos. É instigar que, por vigorar a massificação dessa distorção de valores, tornem-se complacentes ao inadmissível. É, pois, perpetuar uma imagem destrutiva, desestimular a busca por ideais nacionalistas construtivos e ignorar aqueles que repletos de dignidade, enfrentam todos os seus problemas e perseveram na luta de cada dia exaltando a honestidade e enfim, escrevendo, belas "memórias".