Observou McLuhan, estudioso das comunicações, que, antes da imprensa, um leitor era alguém que discernia e sondara enigmas e que, após a imprensa, passou a ser alguém que corria os olhos, os quais escorregavam ao longo das superfícies do texto impresso. O que McLuhan não chegou a observar foi que, mais de 500 anos após a imprensa, amparando-se nas ideologias de democratização cultural contemporâneas, leitor significa alguém que se julga no direito, inalienável, de alterar um texto, seja participando de sua elaboração, seja ostracizando-o. Com alterações tão dramáticas na postura do leitor, é natural que o autor teve de se adaptar às novas exigências.
É sabido que o estilo de escrita está intimamente ligado a seu meio e seu momento histórico, não sendo debalde o estudo das escolas literárias. Vivendo na época da globalização, que sufoca o individualismo com suas grilhetas em fios de alta tecnologia e de extrema sincronicidade, a escrita interativa, com seus textos multiautorias, é uma considerável evolução adaptativa.
No entanto, a possibilidade de constante alteração textual, oferecida pelos novos meios de comunicação, faz com que a arte de escrever perca sua faceta verdadeiramente artística: a subjetividade. Se Machado de Assis, por exemplo, estivesse aberto às interferências de seus leitores, como nos hábitos modernos, certamente a curiosidade deles o faria revelar o enigma de Capitu, destruindo a unicidade da obra.
A crise de pensamento, acusada por Mário Quintana de ser responsável pela decadência literária, é, na verdade, uma censura comercial. Uma vez que a partir da segunda revolução industrial as artes foram submetidas às regras do mercado capitalista e à ideologia da indústria cultural, a escrita não mais se caracteriza pela "expressão de um espírito inquieto", mas pela expressão de conglomerados gananciosos. Se a arte será vendida, ela tem de agradar o consumidor, de modo que o estilo do autor é condicionado pelas preferências das massas. Ora, é altamente contraditório que, obedecendo às pressões comerciais, a autoria e a unicidade textuais sejam plenas. Inevitavelmente, o estilo tende, pois, a entrar em crise.
É verdade que os novos meios de comunicação, como a Internet, permitem que se escreva mais, o que não significa, porém, que os textos tenham mais conteúdo e sejam mais autorais. A escrita interativa, sob a ideologia de democratizar a informação, prejudica o estilo individual ao limitar a subjetividade. As pressões comerciais, por sua vez, atuam, também, no sentido de inibir a expressividade dos autores, massificando as produções. Tomados pela ignorância crassa que não distingue arte de produto, muitos leitores, ao defenderem a "escrita interativa", acabam penetrando, cegamente, no reino das palavras.