Quando criança, não gostava de desenhos mal pintados. Coloria todos os espaços do papel com suas mãozinhas trêmulas, admirava sua obra e arremessava-a ao lixo. Ordenava todos os seus bichinhos de pelúcia em posições que, em suas idéias infantis, eram usadas nas grandes apresentações de ballet clássico. A menina divertia-se coma vida cinematográfica de suas bonecas. Lendo, aprendeu a sonhar mais; seus sonhos envolviam-na agora.Não queria que sua boneca se casasse com o boneco mais bonito, pois essa fortuna teria de ser sua. Os filmes muito contribuíram para essa mudança na menina: escondida, passava o batom vermelho da mãe e mandava beijos para seus admiradores imaginários.
Em seus poucos contatos sociais, não suportava o silêncio. Enquanto ela mesma não pronunciava futilidades, sua mente preenchia as reticências do diálogo com palavras que aprendera a desejar ouvir. Sua vida resumia-se a buscar a plenitude, a exatidão, o completo. Sentia um certo prazer em falar ao telefone. Afinal, sabia que as pessoas não podiam vê-la, apenas ouvi-la. E, na sombra, era mais fácil fazer dos ruídos de seu ser boas melodias.
A luz mostrava-lhe diariamente o que ela queria ignorar. Todos os sonhos que ela julgava seus transformavam-se em frustrações quando amanhecia. De mulher resolvida e bem-sucedida que era quando dormia, tornava-se a garota banal quando acordava.
Mas havia uma luz que ela apreciava. A luz da tela. Sempre que imergia nas cores vibrantes dos "sites", sentia que seus desenhos estavam bem coloridos. Sentia-se com nome e, principalmente, sobrenome e mostrava a todos os seus colegas lúdicos como ela era uma pessoa realizada. Nas páginas da Internet, encontrava amigos tão felizes e radiantes como ela e igualmente temerosos de que, ao se desconectarem da rede, suas vidas cinematográficas seriam desligadas.