Conta Gabriel Garcia Marquéz que, em sua cidade fantástica Macondo, surgiu uma estranha mazela da insônia, de procedência desconhecida. Mesmo conhecendo os perigos de seus sintomas, os moradores nada fizeram para preveni-la e logo a cidade toda perpetuava uma endemia de transmissão misteriosa. Porém, assim que se acreditou na inexistência da doença, a cidade salvou-se. Ocorre o mesmo conosco, brasileiros, quando alimentamos a idéia de que temos a corrupção como identidade e nada fazemos para impedir os sintomas dessa patologia criada.
A verdadeira disfunção do comportamento nacional é situar a corrupção em um meio em que ela se torna incombatível. Trazer para o âmbito cultural os atos ilícitos de desrespeito ao coletivo é aceitar a doença que não existe e insistir na lamentação das falhas da índole nacional, em detrimento da busca de sólidas reformas pessoais e públicas. A corrupção deve ser entendida como a subversão da legalidade em pequenas ou grandes atitudes, possibilitada por um aparelho social com brechas, não como misteriosa endemia.
Além da construção nacional da falsa patologia, há também a contribuição do sistema individualista e pragmático em que somos formados. A partir do liberalismo de Adam Smith, desenvolvemos a mentalidade de tirar sempre o melhor proveito de cada situação. Em uma sociedade onde não haja empecilhos efetivos contra a ilegalidade, somos levados a transferir o ideal vantagista às situações de qualquer natureza e, por isso, corrompemo-nos ao oferecer propina ou ao supervalorizar um obra. Tamanho descuido é contabilizado como um rombo de 6% do PIB nacional, enquanto gasta-se na saúde pública em torno de 3%. Onde estão mesmo as doenças?
Enquanto não retirarmos a idéia da corrupção crônica, nem fugirmos da prática vantagista do capitalismo, seremos devastados com seus onerosos sintomas e tomarmos como solução retaliações paliativas de culpados eventuais. A real mudança, pois, está no entendimento que os atos ilícitos existem por falhas da conjuntura social e na busca por torná-las mínimas e por educar a consciência individualista sobre a importância de renunciar à vantagem pessoal em favor do bem público. Assim pararemos de apontar a culpa de nossas desvirtuações a inconcretas causas e seremos fiscais de nossa própria ética.
Assim como Macondo, o Brasil vive uma doença misteriosa, sem causa real, alimentada por sentimentos de impotência. Somos lesados pelos sintomas de uma patologia irreal nas perdas econômicas do desvirtuamento público e nas perdas morais do vantagismo diário. Para combater tamanho prejuízo, basta a compreensão da não existência de uma busca genética nacional pela ilegalidade. Com isso, o aparelho social pode ser reformado e ser recuperado dos danos causados pela renitência na postura hipocondríaca dos brasileiros de Macondo.