Em uma famosa tela de Magritte observa-se um cachimbo desenhado, acompanhado da inscrição: "Isso não é um cachimbo". De fato, não o é, mas apenas a sua representação. Somos nós que enxergamos a imagem e imediatamente a assimilamos ao objeto real, sem considerar que ambos não são iguais. Magritte sabia como o homem ignora a distinção entre a imagem e o real, e que essas imagens atribuem significados ao real. Instituições como o casamento, a Igreja e o Estado, por exemplo, dependem de seu simbolismo para perpetuarem-se. Porém, devemos saber distinguir entre o que são e o que representam.
No plano individual, o significado do casamento é indissociável de sua permanência na sociedade. Não é seu valor jurídico que o estimula, ou leva noivos e noivas a movimentarem milhões de reais por ano em vestidos, festas e bolos. O que motiva o casamento tradicional é a imagem atribuída a ele, de união de corpos. Não é, necessariamente, essa a imagem que melhor o caracteriza: o casamento pode ser idealizado no início, mas eventualmente as altas expectativas se frustram, como acontecer com Bento Santiago no livro "Dom Casmurro".
Já no plano coletivo, as Igrejas são extremamente dependentes de seu valor simbólico. A existência de catedrais, mesquitas e sinagogas, assim como a de hierarquias entre padres, bispos e cardeais; exige que os homens vejam nelas algo que ultrapassa o real. A fé e a religião tornam a Igreja não um simples local e uma hierarquia vazia, mas um poder. Este existe como consequência da religião, tanto assim que obras como o "Auto da Barca do Inferno" só tem valor moralizante em uma sociedade que acredite na Igreja Católica. Sem a imagem, a doutrina perde seu valor.
Outra instituição atrelada à imagem é o Estado. Da mesma forma que ocorre com a Igreja, o poder e a legitimidade do Estado emanam da crença. Seus funcionários deixam de ser pessoas e passam a representar o poder ao qual todos nós estamos submetidos. O juiz representa a lei, apesar de não o ser na realidade. É esse significado que impede Fabiano, de "Vidas Secas", de desafiar o Soldado Amarelo. Apesar do evidente abuso de poder, Fabiano submete-se ao guarda, acreditando que submete-se diariamente ao Estado.
Essas três instituições mostram a dependência do valor simbólico para sua manutenção e credibilidade. Sem suas imagens, haveria um súbito desequilíbrio na sociedade, pois todo poder e ordem seriam questionados. Não é necessário destituí-las de toda sua significação, apenas enxergar, como Magritte, a diferença entre a imagem e o real. Assim não haverá idealização das instituições, o que abre espaço para questionamentos e evita casos como o de Fabiano, abusado pelo Soldado Amarelo, ou Bento Santiago, frustrado na expectativa de tornar-se um só com Capitu, possibilitando críticas como no "Auto da Barca do Inferno", que diferenciava a Igreja de seus membros.